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Segundo o MP, gestão de Álvaro Dias usou máquina pública para garantir apoio a candidatos apoiados pelo ex-prefeito. Joanna Guerra (Republicanos), vice-prefeita de Natal; Paulinho Freire (União Brasil), atual prefeito; e Álvaro Dias (Republicanos)
Kleber Teixeira/Inter TV Cabugi
Listas de presenças em eventos políticos assinadas por servidores terceirizados, áudios de whatsapp ou até mesmo gravados em reuniões, demissões de trabalhadores e depoimentos de testemunhas. A análise de materiais como esses foi o que levou o Ministério Público do Rio Grande do Norte a denunciar o prefeito de Natal, Paulinho Freire (União Brasil), a vice Joanna Guerra, o ex-prefeito Álvaro Dias e os vereadores Daniel Rendall e Irapoã Nóbrega (todos estes do Republicanos) por abuso de poder político nas eleições municipais de 2024.
O Ministério Público também apresentou como provas documentos apreendidos na sede do partido Republicanos, que comprovariam a prestação de serviços públicos e contratação de pessoas para as secretarias municipais de acordo com interesse eleitoral.
A ação pede a cassação dos diplomas do atual prefeito, da vice-prefeita e dos vereadores eleitos, além de inelegibilidade de todos e do ex-prefeito pelo período de oito anos.
Na denúncia acessada pelo g1, o MP aponta indícios de que servidores comissionados e terceirizados foram cooptados para apoiar os candidatos a vereador Daniell Rendall e Irapoã Nóbrega, além do então candidato a prefeito, Paulinho Freire, e da candidata a vice-prefeita, Joanna de Oliveira Guerra.
Na última segunda-feira (3), após a divulgação da denúncia, os citados disseram que não há provas ou indícios do cometimento de ilegalidades no processo. Veja o posicionamento de todos eles aqui.
Em geral, o MP aponta que principalmente servidores terceirizados e comissionados de Natal foram “obrigados” a participarem de reuniões políticas e demonstrarem apoio aos candidatos indicados nas redes sociais, sob ameaça de serem demitidos se não cumprissem a regra.
Ameaça de demissão na Arsban
Um dos áudios usados na denúncia é uma gravação do diretor da Agência Reguladora de Serviços de Saneamento Básico do Município de Natal (Arsban), Victor Diógenes, que é cunhado de Álvaro Dias, durante reunião com os servidores no dia 9 de agosto.
No encontro, ele teria feito ameaça de demissão a servidores comissionados e terceirizados que não se posicionassem a favor dos candidatos indicados pelo prefeoto.
“Se alguém tiver um posicionamento diferente, me avise. Vai ter que colocar o cargo à disposição, porque, senão, vai sobrar para mim. Se eu não consigo liderar, se eu não consigo coordenar quem trabalha comigo, então não estou apto a desempenhar essa função. Vitor, eu não concordo, eu quero votar em Carlos Eduardo, Rafael Mota, Natália Bonavides, faça uma gentileza, seja honesto consigo próprio, comigo e com toda equipe. Diga, olhe Vitor, eu tô entregando porque eu vou trabalhar com outra campanha, porque senão vai ficar chato, vai chegar um aviso, vai chegar a demissão e vai ficar chateado comigo”, diz a transcrição do áudio colocada no processo.
“Hoje à tarde, tudo indica que vai ter uma reunião política, o Prefeito convocou a todos, não só a ARSBAN, todas as Secretarias (…) quem não for, vai ter que justificar, porque não foi e se está desse lado, do lado da atual gestão, e se não está, pode deixar à disposição que naturalmente vai vir outra pessoa para o seu lugar (…) a não ser os efetivos, todos são demissíveis”, diz outro trecho.
Por causa do áudio, Victor já tinha sido denunciado por assédio eleitoral ainda durante a disputa pelo segundo turno das eleições. A denúncia partiu do Ministério Público do Trabalho. Ele foi exonerado do cargo, mas acabou renomeado para a mesma função no dia 1º de novembro.
Em depoimento, um servidor terceirizado demitido no dia 8 de outubro disse que motoristas da agência também transportavam os servidores em carros oficiais até locais de eventos políticos e trabalhavam para a campanha em horário de expediente. O homem afirmou que não participou dos eventos políticos e, por isso, foi questionado pelo diretor.
Educação
Sede da Secretaria Municipal de Educação de Natal
Sérgio Henrique Santos/Inter TV Cabugi
Segundo o MP, ainda em 2023, o órgão recebeu denúncia de que o então diretor de Recursos Humanos da Secretaria Municipal de Educação, Daniell Victor Rendall, realizava campanha política eleitoral disfarçada de palestras para os terceirizados da pasta.
O MP também incluiu na ação o áudio gravado durante reunião que teria sido realizada pelo político dentro de uma empresa contratada pelo município, em que fez propaganda política pedindo voto para ele e para o candidato a prefeito Paulinho Freire.
“O voto em Paulinho é o voto na confiança, o voto da credibilidade e essa gestão vai continuar crescendo. Natal vai continuar crescendo, vai continuar evoluindo. E o voto em mim é a certeza que vocês terão voz. Os meus amigos aqui, as pessoas que conhecem a minha história, o meu trabalho, desde 2013. São 11 (onze) anos que essa casa me conhece”, diz em parte do áudio.
Em outro áudio juntado à decisão, a diretora de uma escola afirma que adicionou os trabalhadores a um grupo de whatsapp a pedido do candidato.
“Daniel tem o nome de vocês e de quem está ligado a algum vereador; que ele me passou esses nomes, somente esses que estão no grupo, que ele conta para a candidatura dele; que Daniel não tem o nome de vocês lá agregado a nenhum político; que ele está agregando o nome de vocês à candidatura dele; ele disse que são ‘pessoas que não se mexe'”, diz a diretora.
“Eu dou a vocês o conselho que eu dei a um colega de vocês há alguns dias atrás e que quase era demitido ‘apoie o candidato que lhe mantém aqui no emprego’, principalmente, nesse ano de política”, diz outro trecho.
Outras denúncias protocoladas por cidadãos no MP foram incluídas no processo. Segundo os investigadores, o cenário demostra que os “servidores comissionados e empregados terceirizados estavam sendo pressionados para atuarem em favor da campanha eleitoral de Daniell Rendall, havendo um verdadeiro recrutamento de cabos eleitorais para a obtenção de votos dentro dos órgãos públicos”.
Ainda de acordo com a denúncia, as convocações para eventos eram “permeadas por ameaças implícitas e explícitas de represálias” que atingiam principalmente os empregados que possuem vínculo de natureza precária. Em um dos convites aos servidores constava a frase dizendo que “quem é visto (na reunião) é lembrado”.
Em um dos encontros realizados pelo candidato, as pessoas precisavam assinar uma lista de presença, segundo constatou uma diligência do MPRN.
“Os diretores, pra conseguir as coisas, tinham que ser amigo dele. Entende? Apesar de, a maioria dos recursos não depender dele. Mas, tudo é tráfico de influência hoje em dia, até pra você assinar um papel, balançar a cabeça, piscar o olho (…) Eu nunca tirei uma licença na minha vida. A diretora daqui que veio de lá, é muito amiga dele. Eu tirei 6 meses pela primeira vez em 30 anos, porque ela foi lá e ele mandou. Acho que vou votar nele”, disse uma professora ao MP.
Em diligência durante evento de campanha, MPRN constatou que servidores tinham que assinar lista de presença
MPRN/Reprodução
Na denúncia, o MP aponta que o ex-secretário de Serviços Urbanos (Semsur), Irapoã Nóbrega, eleito vereador, e pessoas ligadas a ele, teriam ameaçado o emprego de servidores terceirizados. O órgão juntou à denúncia depoimentos de ex-servidores que foram demitidos ao longo de 2024.
Nos depoimentos, os trabalhadores informaram que tinham sido orientados a participar de eventos políticos e fazerem postagens nas redes sociais favoráveis às campanhas.
Segundo um dos depoimentos “os servidores que não iam para os referidos eventos já sabiam que seriam demitidos”.
Republicanos
De acordo com o MP, uma operação que resultou na apreensão de documentos na sede do partido Republicanos, ao qual pertencem Álvaro Dias e Joanna Guerra, encontrou lista de reunião do candidato Paulinho Freire e de Joanna com vários secretários vinculadas à administração pública municipal.
“O compromisso sobredito evidencia a vinculação entre Paulinho Freire e Joanna Guerra com as chefias de várias pastas do Poder Executivo Municipal, sendo uma primeira prova de que a máquina administrativa foi instada pelo Prefeito Álvaro Dias em favorecimento aos candidatos a Prefeito e Vice-Prefeita por ele apoiados, como também demonstra a ciência inequívoca dos candidatos Sr. Paulinho Freire e a Sra. Joanna Guerra acerca da movimentação da máquina administrativa, com fins eleitoreiros”, diz o MP.
O partido também mantinha listas de presenças de servidores comissionados e terceirizados a reuniões, com títulos de “Amigos de…” seguido pelos nomes de secretários e outros ocupantes de cargos de confiança da gestão em praticamente todos os órgãos e entidades vinculadas à estrutura administrativa.
Segundo o MP, o título “amigos de…” segue a mesma estrutura utilizada nos grupos de whatsApp criados na Arsban, no Procon, na Secretaria de Serviços Urbanos e na Secretaria de Educação.
Para o MP, ficou “claramente constatado” que os agentes políticos foram designados para “conduzir” os servidores comissionados e empregados terceirizados subordinados a eles aos eventos políticos realizados em favor dos candidatos a prefeito e vice, além de vereadores apoiados.
Entre os depoimentos, o MP colheu inclusive declarações da vereadora Margarete Régia, do partido, que afirmou que se deparou com pelo menos três reuniões do tipo, inclusive com servidores terceirizados fardados, na sede do partido.
Entre os documentos apreendidos, os investigadores também constataram que o partido mantinha controle a respeito de demandas feitos por lideranças comunitárias e a prestação de serviços por parte das secretarias municipais, além de registros de reuniões entre os representantes dos bairros e administração.
Segundo o MP, essas lideranças políticas locais também indicavam candidatos para vagas em cargos comissionados e terceirizados no município. Um dos documentos apreendidos na Secretaria de Assistência Social orienta os responsávei a entrevistar candidatos “para saber se já existem familiares já empregados, evitando que uma mesma casa tenham 2, 3 pessoas”.
Para o MP, os documentos deixam “evidente a distribuição de empregos (empregos terceirizados) no seio da administração municipal, em troca de apoio político”.