A CSN funciona sem licença desde 2018, quando a empresa assinou um Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público (MP). Desde então, a empresa paga as multas estipuladas para operar. ‘Pó preto’ da CSN: a poluição que se espalha por Volta Redonda, afeta a saúde de moradores e deixou de ser fiscalizada pelas autoridades
Doenças respiratórias, poluição, ruas e casas sujas. Essas são algumas das consequências de uma cidade tomada por um pó preto. O material produzido pela siderúrgica mais antiga do Brasil, a CSN, em Volta Redonda, na Região Sul Fluminense, é formada por micropartículas de ferro que, soltas no ar, podem contaminar moradores e poluir rios.
Os moradores do município estão revoltados com a falta de fiscalização e com o descaso das autoridades ambientais do estado, que não se preocupa em monitorar o ‘poluente sedimentável’, nome técnico para o pó de ferro, ou pó preto, que se espalha dia e noite pelo ar de Volta Redonda.
Por incrível que pareça, a falta de fiscalização desse material está dentro da lei. Isso porque, desde 2017, o Governo do Estado do Rio de Janeiro decidiu retirar o ‘poluente sedimentável’ da lista de poluentes que precisam ser monitorados pelas autoridades ambientais.
“Pela informação da nossa equipe técnica, essas partículas sedimentáveis são justamente esse pó preto. No Rio de janeiro, por conta de uma decisão do órgão ambiental estadual, não há mais monitoramento dessa substância”, disse o promotor do MP Leonardo Kataoka.
Moradores compartilham em redes sociais imagens impressionantes da fumaça expelida pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN).
Problemas respiratórios
Sem fiscalização, o pó preto segue sendo lançado no ar constantemente. O material poluente é o responsável por provocar o aumento de casos de doenças respiratórias no município.
“A poluição atinge quando ela começa a interferir na nossa qualidade de vida. Eu quero brincar com meu filho do lado de fora da casa, mas a minha preocupação é: Vai vir uma crise de asma? (…) A gente ta sempre sujo. A gente lava roupa, coloca no varal para secar e a roupa volta suja. O impacto da CSN na nossa vida hoje é sujeira”, comentou a fisioterapeuta Thais Vasconcellos.
Pó preto da CSN no chão da casa de moradores em Volta Redonda
Reprodução/Redes sociais
Para Marcelo Moreno, pesquisador da Fiocruz, existe uma relação entre a fumaça da CSN e o aumento de casos de doenças respiratórias.
“A gente já tem estudos que mostram que a poluição do ar agride a saúde do feto. Então, a gente vai ter crianças nascidas com baixo peso, nascidas prematuramente. Isso já está comprovado por estudos”, comentou.
“Outros estudos associaram a mortalidade por doenças respiratórias nos períodos que a gente tem mais episódios de poluição no município. E outro estudo mostrou que a taxa de internação por doença respiratória associada a poluição também é alta nos períodos mais frios do ano”, completou Moreno.
Operando sem licença
Os problemas ambientais causados pela CSN não são novidades para os moradores de Volta Redonda e nem para o Ministério Público. Desde 2018, a empresa vem funcionando sem uma licença de operação.
Poeira no céu de Volta Redonda
Reprodução/Redes sociais
Isso acontece porque a siderúrgica não atendeu todos os compromissos determinados no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), assinado junto ao MP.
Por conta desses problemas, a CSN vem pagando sucessivas multas, que estão longe de comprometer a receita com a exportação de aço. Contudo, a empresa tem a obrigação legal de cumprir todos os itens do TAC.
“A gente percebeu que muitas ações que eram previstas nos TACs anteriores eram ações que se limitavam a questões menos importantes. A questão mais importante ali é a questão das emissões, a questão do material particulado e a questão da poluição na atmosfera”, disse o ex-presidente do Inea Marcus Lima.
Dúvidas sobre o monitoramento
Em maio, moradores de Volta Redonda flagraram o lançamento de uma fumaça espessa de cor laranja. Foram cinco minutos de desespero. A empresa chegou a ser multada pelo Inea.
Na semana passada, um estrondo durante a noite assustou a população. Segundo a CSN, a tubulação de uma caldeira se rompeu, mas ninguém ficou ferido.
Pó preto da CSN no chão da casa de moradores em Volta Redonda
Reprodução/Redes sociais
Quem se baseia nas informações prestadas pelas nove estações da CSN que medem a qualidade do ar em Volta Redonda tem muitos motivos para desconfiar dos resultados.
Segundo as medições, na maioria absoluta dos dias, a qualidade do ar é sempre boa. A empresa responsável pelo monitoramento foi contratada pela CSN, com a chancela do Inea.
A pesquisadora Renata Martins Parreira acredita que a situação é grave. Para ela, a base de dados do monitoramento está comprometida.
“Quando nós tínhamos o limite muito próximo dos determinados como ruins ou péssimos (qualidade do ar), de acordo com Inea, elas apresentavam inconsistência de dados sequencialmente. E quando uma base tem problema, ela não é registrada”, explicou a pesquisadora.
“Ela não é uma base consistente porque quando a gente fala na pesquisa, é importante que você tenha uma análise diária. É importante que você tenha uma média confiável daquele dia”, concluiu Renata.
O que dizem os citados
Em nota, a CSN informou que os dados do monitoramento da qualidade do ar são enviados de forma online ao Inea e sem qualquer interferência da companhia. A empresa disse também que não há nessas estações qualquer tipo de descontinuidade nas suas operações.
Quanto à pilha de pó siderúrgico, a CSN informou que o tamanho vem sendo reduzido. Nos últimos 12 meses, 230 mil toneladas do produto foram retiradas do estoque e reutilizadas.
Já o Inea reafirmou que existe um Termo de Ajustamento de Conduta para a CSN, envolvendo ações de melhoria do controle das emissões atmosféricas, com prazo de até agosto do ano que vem.
O Inea falou que a análise das partículas sedimentares foi retirada em 2017 por falta de padrões estabelecidos nas diretrizes nacionais e internacionais.
‘Pó preto’ da CSN: a poluição que se espalha por Volta Redonda, afeta a saúde de moradores e deixou de ser fiscalizada pelas autoridades
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