Com adaptação lenta, ipês e jequitibás podem ‘sumir’ de florestas por conta de mudanças climáticas, aponta Unicamp


Pesquisadores da universidade indicam que biomas tropicais não conseguem acompanhar velocidade de desequilíbrios no clima. Espécies de grande porte são mais afetadas e podem ser dizimadas. Ipê, copaíba, jequitibá e castanheira-do-pará.
Denis Henrique/TV Globo/Divulgação/TG
Ipês, copaíbas, jequitibás, castanheiras-do-Pará e outras árvores de grande porte da Mata Atlântica e da Floresta Amazônica provavelmente não vão sobreviver à crise climática. A constatação foi um consenso entre dois estudos publicados nas revistas Science e Nature, no início de março deste ano. As publicações contaram com a participação de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
As duas pesquisas investigaram como as florestas tropicais da América do Sul e do mundo estão respondendo ao aquecimento global. Ambas concordaram que o desequilíbrio do clima pode impedir que as próximas gerações vejam essas espécies em seu habitat natural. As pesquisas também apontaram que os biomas até podem resistir à crise climática, mas a adaptação lenta pode dificultar a sobrevivência.
Carlos Alfredo Joly e Simone Aparecida Vieira, co-autores dos estudos e pesquisadores da Unicamp, em entrevista ao g1, explicaram que não é possível fazer uma previsão do desaparecimento dessas espécies, mas reforçam que a perda da biodiversidade acarreta mudanças no clima e no ecossistema do bioma.
🔔 Participe do canal do g1 Campinas no WhatsApp
Os estudos utilizaram dados de parcelas permanentes — uma área da floresta delimitada para o acompanhamento e estudo — coletados durante anos por vários pesquisadores da América Latina e do mundo. Os professores da Unicamp contribuíram, sobretudo, com avaliações sobre as parcelas da Mata Atlântica, no entorno de Ubatuba (SP).
🔎 Eles avaliaram o desenvolvimento de todas as árvores dessas áreas delimitadas ao longo dos anos. O monitoramento não foi um trabalho exclusivo para essas pesquisas, então há partes da Floresta Amazônica sendo observadas desde 1980, enquanto as parcelas do litoral norte paulista estão sendo estudadas pelo grupo campineiro desde 2004.
Carlos Alberto Joly (à esquerda) e pesquisadores em parcela permanente do Parque Estadual da Serra do Mar, em São Luiz do Paraitinga (SP)
Carlos A. Joly/Arquivo pessoal
Árvores jovens não estão crescendo na floresta
Carlos Alfredo Joly, professor emérito da Unicamp e coordenador da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES), explicou que, mesmo com o aumento da temperatura e da concentração de CO₂ na atmosfera, as árvores de grande porte estão “funcionando como funcionavam anteriormente. E com isso, elas perdem a sua eficiência”.
“[A planta] não tem mais como investir em caule, em galhos, em raízes. E, aos poucos, a tendência é que essas espécies acabem morrendo. E, eles não deixam descendentes. Você não tem indivíduos jovens dessas árvores grandes crescendo na floresta”, diz Joly.
Simone Aparecida, coordenadora da pós-graduação em ecologia da Unicamp, explica que essas árvores não estão concluindo o processo chamado de recrutamento (entenda como ele funciona, abaixo).
uma planta adulta produz frutos, que caem no solo;
as sementes desse fruto germinam;
uma nova árvore da espécie começa a crescer;
ela se torna jovem e adulta.
“O que está acontecendo é que elas não conseguem germinar ou elas morrem quando são muito jovens, porque elas não dão conta desses eventos extremos”, explica a professora.
A pesquisadora ressalta que “algumas espécies de árvores são mais sensíveis. E, às vezes, elas são mais sensíveis quando elas são jovens”. Por isso, acabam não conseguindo sobreviver, ocasionando a mortalidade em larga escala da espécie.
Joly alerta que, assim como outras árvores gigantescas, a Castanheira-do-Pará entrará em extinção. Ele explica que não estão sendo encontrados exemplares jovens da espécie na região amazônica.
“Você só encontra árvores adultas de grande porte. Isso sugere que essa espécie está num processo de extinção. Quando esses indivíduos velhos adultos morrerem, você não vai ter mais a castanheira”, diz.
Simone ressalta que a castanheira — assim como outros tipos de árvores gigantes — são compostas de madeira de alta densidade, fazendo que o seu crescimento seja mais lento. “Elas demoram muito para crescer. E elas, nessa fase mais jovem, elas são mais sensíveis a eventos extremos”, diz.
Núcleo Santa Virginia, Parque Estadual da Serra do Mar, no municipio de São Luiz do Paraitinga (SP).
Carlos A. Joly/Arquivo pessoal
Sumir do planeta?
Então essas árvores vão desaparecer para sempre? Sim e não.
➡️ Os dois estudos analisaram a extinção dentro do bioma natural, aonde elas crescem sem qualquer manipulação ou melhoramento. Neste ambiente, elas não vão conseguir se desenvolver e sobreviver. Ainda assim, Joly ressalva que exemplares poderão ser cultivados e mantidos em estufas e de outras formas controladas.
O prazo para a essa dizimação também é incerto. Joly ressalta que há “árvores [que] já estavam lá quando o [Pedro Álvares] Cabral chegou”, e que pode haver uma variação entre cada linhagem. Isso porque a determinação da extinção depende do tempo de vida das espécies que estão no bioma agora.
“Fica muito difícil a gente determinar qual é o tempo de vida de todos esses indivíduos adultos que estão lá hoje. Temos árvores que tem um ciclo que é de 80 anos, e temos árvores que o ciclo é de 500 anos. Gradativamente, ao longo das próximas décadas, elas vão desaparecer” , explica o professor.
Floresta Amazônica
Getty Images via BBC
Substituição das espécies: esperada, mas lenta
A dizimação ocasiona a substituição. As espécies mais adaptadas às novas condições climáticas passam a ocupar o lugar daquelas que não conseguiram sobreviver, mantendo a floresta viva (mesmo que diferente).
Simone explica que a substituição das espécies já era um processo previsto, mas a mudança está mais lenta do que o esperado.
“A gente está observando é que essa mudança está sendo mais lenta do que aquilo que a gente esperava. Ou seja, essa floresta está ficando cada vez mais vulnerável às mudanças. Porque, não estão repondo a floresta com indivíduos que poderiam dar conta desse sistema, que está diferente”, explica a professora.
A prioridade é salvar a floresta. Simone defende que é preciso fazer uma restauração da floresta, estudando quais espécies são as mais adaptadas para a nova condição climática. “Porque se eu plantar árvores que não vão dar conta, elas vão morrer”, explica.
A pesquisadora explica que reflorestamento e restauração não são sinônimos. Enquanto reflorestar pode ser definido como devolver espécies e exemplares à floresta, restaurar significa torna-lá o mais próximo possível do tipo de floresta que tinha no local originalmente.
Mata Atlântica
Jornal Nacional
Empobrecimento da floresta
Além da perda da biodiversidade, o desaparecimento das árvores de grande porte levará a um empobrecimento da floresta, provocando a falta de recursos para o bioma e a falta de alimento para alguns animais dispersores (aqueles que espalham sementes e frutos).
“A gente pensa na paca, na cutia, nos morcegos, nos pássaros. Essas árvores deixam de existir, os frutos delas vão deixar de existir. Portanto, haverá uma redução na disponibilidade de alimentos para essa fauna, que também tende, no mínimo, a ficar extremamente estressada. No extremo, a desaparecer também”, explica Joly.
Núcleo Santa Virginia, Parque Estadual da Serra do Mar, no municipio de São Luiz do Paraitinga (SP).
Carlos A. Joly/Arquivo pessoal
Ciclo de chuvas
As florestas tropicais têm um papel importante na estocagem de carbono. O processo de manutenção de temperatura e de evapotranspiração faz com que a água, que estava no solo e foi captada pela folha, volte para a atmosfera em forma de vapor, formando nuvens de chuva na mesma floresta e em outras áreas do país (e até do continente).
“Como as florestas não estão se adaptando na velocidade necessária, terá uma diminuição da capacidade de estocar carbono dessas florestas e na quantidade de água que essas florestas processam”, explica a professora.
Simone ressalta que esses biomas são indispensáveis para manter a quantidade de carbono estocado, “porque se ele não estiver na floresta, ele vai voltar para a atmosfera” e “aumentando a quantidade de carbono na atmosfera, o planeta vai ficando mais quente”.
A ação humana é um dos principais fatores de degradação da floresta amazônica.
Divulgação/André Dib
Ameaça somada
Joy ressalta que, além de não se adaptarem ao novo clima, essas espécies (e todo o bioma) também estão sendo ameaçadas com o desmatamento, queimadas e exploração regular e irregular para várias finalidades.
“Agora, a ameaça a essas espécies é a somatória. O desmatamento, os incêndios, todas essas alterações que estão ocorrendo, as que não foram atingidas por essas ações antrópicas [ações humanas], ainda assim, elas vão estar sendo atingidas pelas mudanças climáticas”, finaliza o professor.
Incêndio queima um trecho da floresta amazônica durante limpa provocada por madeireiros e fazendeiros perto de Porto Velho
Ricardo Moraes/Reuters
*Estagiária sob supervisão de Bárbara Camilotti.
VÍDEOS: destaques da região de Campinas
Veja mais notícias da região no g1 Campinas
Adicionar aos favoritos o Link permanente.