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Os cães policiais desempenham um papel fundamental no combate ao crime, auxiliando em operações de busca, patrulhamento e detecção de drogas. Mas como esses animais são selecionados? Como funciona o treinamento e o vínculo com os policiais?
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Cães policiais não são viciados em drogas, ao contrário do que muitos acreditam – Foto: Daiane Carolina/ND
A reportagem do portal ND Mais conversou com a equipe do Canil da PM (Polícia Militar) de Chapecó para entender todo o processo, desde a escolha dos cães até sua aposentadoria. O objetivo é esclarecer o mito do “vício em drogas” nos cães policiais e a importância dessa unidade para a segurança pública.
Atualmente no Canil da PM de Chapecó, duas raças são utilizadas: o Pastor Alemão e o Pastor Belga de Malinois. Conta com cinco cães adultos e dois filhotes. Entre os veteranos, estão Royce, de 8 anos; Make, de 7; Duke e Ozzy, ambos com 5 anos. Já os mais jovens são os filhotes Izzi e Blade, que estão em fase de treinamento.
Veja como é o treinamento dos cães policiais – Vídeo: Daiane Carolina/ND
Como funciona a seleção dos cães policiais
Segundo o cabo Manfroi, que atua no canil, os cães policiais são escolhidos com base no temperamento, na coragem e na estrutura física dos progenitores.
“A genética é um aspecto essencial, pois cães com pais bem ativos, tendem a apresentar as mesmas características”, explica o cabo Manfroi.
Em uma ninhada, busca-se identificar o cão alfa que se destaca por ser o mais ativo, corajoso e dominante. Esse filhote normalmente se alimenta primeiro e demonstra maior interesse em brincadeiras, indicando maior potencial para o trabalho policial. Os filhotes selecionados chegam ao Canil da PM com aproximadamente 45 dias de vida.
“Se um cão adulto chega ao canil com um ano, ele pode ter vivenciado situações adversas que desconhecemos, como punições severas ou falta de socialização. Isso pode comprometer o treinamento”, acrescenta.
Embora a seleção dos filhotes seja realizada com base nesses critérios, não há garantia de que todos os cães se tornarão aptos para o serviço policial.
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Cães policiais são escolhidos com base no temperamento, na coragem e na estrutura física dos progenitores – Foto: Daiane Carolina/ND
Primeiras etapas do treinamento
Desde os 45 dias de vida é iniciado um processo de socialização, onde são expostos a diferentes ambientes e contato com os outros animais. Essa etapa é crucial para que os cães se tornem confiantes e preparados. O treinamento dos cães policiais dura aproximadamente dois anos.
A brincadeira desempenha um papel essencial no treinamento. Os cães policiais são estimulados a desenvolver interesse por brinquedos, pois essa motivação será fundamental para futuras atividades de busca e detecção.
Um dos sinais de que um cão pode não ser adequado para o trabalho policial é a perda de interesse pelo brinquedo, o que compromete sua capacidade de busca e rastreamento.
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Os cães são estimulados a desenvolver interesse por brinquedos – Foto: Daiane Carolina/ND
Como funciona o treinamento e o mito do vício em drogas
Uma das grandes dúvidas sobre o trabalho dos cães policiais é se eles podem ficar viciados nas substâncias que detectam. O cabo Manfroi, esclarece que isso é um mito. Os cães nunca ingerem ou têm contato direto com as drogas.
O treinamento é baseado onde o odor das substâncias se torna um sinal de recompensa para o animal, o qual é o seu brinquedo favorito.
“A gente brinca com o filhote com esse brinquedo, ele aprende a gostar dele e chega a amar o brinquedo”, explica.
No início, o cão encontra o objeto apenas pelo visual, mas, à medida que cresce, o nível de dificuldade aumenta. O brinquedo passa a ser escondido em locais de difícil acesso, como grama alta, gavetas e buracos. Com isso, o animal desenvolve o faro para encontrar o objeto.
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O treinamento é baseado onde o odor das substâncias se torna um sinal de recompensa para o animal – Foto: Daiane Carolina/ND
Com o tempo, o brinquedo passa a conter o odor das substâncias que o cão deverá identificar.
“A gente coloca a droga dentro do brinquedo, mas sem que o animal tenha contato físico com a substância”, ressalta o cabo Manfroi.
O treinamento continua até que o cão associe o cheiro da droga ao brinquedo e passe a procurar para ter a recompensa de brincar. O cão aprende que, ao encontrar o odor treinado, ele receberá o brinquedo como recompensa.
“Para nós, é uma atividade de extrema importância, mas, para o cão, é apenas uma diversão”, finaliza o cabo Manfroi. Dessa forma, os cães policiais trabalham motivados e sem risco de contato prejudicial com drogas ou outras substâncias.
O vínculo entre o cão e o policial
Cada policial do canil tem um cão específico sob sua responsabilidade, criando um vínculo único com ele. O cabo Manfroi explica que apesar de outros policiais poderem utilizar os cães, o treinamento e os cuidados diários são realizados pelo condutor designado.
“Cada um treina o seu próprio cão, mas conta com o apoio dos demais. No entanto, o vínculo principal é individual. Se meu cão ficar doente, sou eu quem cuida. Se precisar de um banho ou se machucar, eu assumo essa responsabilidade”, afirma.
O elo entre o cão e o policial, chamado de binômio, é fundamental para o sucesso das operações.
“Mesmo sabendo que ele é um instrumento de trabalho, é impossível não criar esse vínculo. Meu cão, por exemplo, tem 8 anos e passou toda a sua vida ao meu lado. Em uma ocorrência, sei que ele vai me proteger, assim como eu protejo ele”, relata Manfroi.
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Cada policial do canil tem um cão específico sob sua responsabilidade, criando um vínculo único com ele; Soldado Dalmoro e o Cabo Manfroi – Foto: Daiane Carolina/ND
O destino dos cães policiais após aposentadoria
Quando um cão policial se aposenta, ele pode ser mantido pela PM ou adotado por um policial, ou outra pessoa. Segundo o cabo Manfroi, a primeira opção é que o próprio policial fique com o cão.
“O policial que trabalhou com ele ao longo dos anos tem a prioridade na adoção, mas nem sempre isso é possível, pois são cães de grande porte que precisam de espaço adequado”, explica.
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Segundo o cabo Manfroi, a primeira opção é que o próprio policial fique com o cão – Foto: Daiane Carolina/ND
“Já tivemos um cão aqui no canil que, após ser adotado pelo policial responsável, apresentou sinais de tristeza. Ele passou a vida inteira no treinamento diário, e quando foi para casa, sem essa rotina, acabou ficando desmotivado. Tivemos que trazê-lo de volta ao canil para ele recuperar o bem-estar”, relata Manfroi.
O tempo de serviço dos cães policiais varia conforme a saúde de cada um. O manual da PM recomenda a aposentadoria aos oito anos, mas essa idade não é uma regra fixa.
“Meu cão, já tem 8 anos e fará 9 em setembro. Enquanto ele estiver bem fisicamente, continuará trabalhando”, afirma Manfroi, que brinca: “Nem quero pensar nisso agora.”
Cão encontra 20 kg de droga durante treinamento
O cabo Manfroi lembra um episódio que aconteceu durante um treinamento. “Eu e meu colega estávamos treinando o faro de drogas e escondemos os entorpecentes dentro de um carro para que o cão identificasse. Durante o exercício, meu cão Roy começou a se afastar e foi em direção a outro veículo, completamente fora do nosso planejamento”, conta.
A princípio, Manfroi estranhou a atitude do animal. “Eu o segui e percebi que ele estava indicando algo dentro do carro, mas não era o veículo onde havíamos escondido a droga. Chamei meu colega e disse: ‘Tem droga aqui, eu conheço meu cão. Ele não dá indicação falsa’”, lembra.
Ao abrir o veículo, a surpresa: dentro de uma betoneira abandonada havia 20 kg de maconha. “Ninguém acreditava! Estávamos lá apenas para treinar e acabamos fazendo uma grande apreensão. O treinamento saiu melhor do que o esperado”, relata Manfroi.
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Soldado Dalmoro e o Cabo Manfroi; a conexão com os cães policiais vai além do trabalho – Foto: Daiane Carolina/ND
A importância dos cães policiais no trabalho
O cabo Manfroi destacou as contribuições essenciais do canil no trabalho policial. No ano de 2024, a equipe de cães realizou apreensões significativas, como 133 kg de drogas, em apoio a diversas operações. Através do uso de cães, foram atendidas 256 ocorrências.
O cabo Manfroi explicou como os cães policiais agilizam investigações.
“Com o cão, em 20 minutos, a investigação é concluída, e ele é capaz de localizar qualquer substância ilícita de forma precisa e rápida, sem que seja necessário revirar todo o local”, destacou.
Segundo o cabo, o trabalho desenvolvido pelos cães é insubstituível, sendo uma ferramenta essencial para a eficiência da polícia. “Não existe outra forma de realizar o trabalho que os cães fazem hoje”, afirmou.
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O trabalho desenvolvido pelos cães é insubstituível – Foto: Daiane Carolina/ND
Cuidados diários com os cães policiais
Segundo o Cabo, o trabalho com os cães policiais vão além das atividades de treinamento e busca.
“O cuidado diário é essencial para garantir que eles estejam sempre prontos para o serviço. Precisamos observar se estão bem, se não apresentam machucados e realizar os treinamentos diários”, explicou.
Os cães policiais têm uma rotina de cuidados realizados pelos próprios membros da equipe. “Nós mesmos cuidamos deles aqui no canil. Sempre mantemos o espaço onde eles ficam extremamente limpos. O box, como chamamos, é lavado frequentemente para garantir que eles fiquem em um ambiente adequado e saudável”, disse o cabo Manfroi.
A saúde dos cães também é uma prioridade. Cada animal tem um plano de saúde mensal pago pelo estado, que inclui vermífugos, remédios para pulgas, vacinas e tratamentos específicos. “Caso algum cão se machuque durante uma ocorrência, como já aconteceu, eles são levados rapidamente para atendimento veterinário.
O legado do cão Max: herança e emoção no Canil da PM
Max teve um papel fundamental em diversas apreensões de drogas ao longo de sua trajetória. Além de sua eficiência no trabalho policial, ele também era um cão sociável e querido por toda a equipe. Seus três filhos seguem atuando no Canil: Royce, o mais velho, que está prestes a completar nove anos, além de Duque e Ozzy, ambos com cinco anos.
Infelizmente, Max faleceu precocemente, aos seis anos, devido a uma torção gástrica, um problema comum em cães de grande porte.
No Canil da PM, a conexão com os cães vai além do trabalho. Quando um deles falece, é enterrado em um espaço reservado na área externa da unidade, como uma forma simbólica de mantê-los sempre presentes.
“Eles ficarão conosco para sempre”, completa o cabo Manfroi.
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Memorial dos cães policiais no Canil da PM em Chapecó – Foto: Daiane Carolina/ND
Cuidados essenciais: o que você precisa saber
O médico veterinário Giovane Haas, de São Miguel do Oeste, no Extremo-Oeste de Santa Catarina, explicou os desafios da saúde, longevidade, as predisposições genéticas e até a importância da nutrição dos cães policiais.
O pastor alemão, pode apresentar predisposição genética para problemas articulares, como displasia de quadril e cotovelo. Essas condições podem limitar a mobilidade do animal e comprometer sua capacidade de atuar. Para prevenir complicações, é recomendado o uso de alimentos enriquecidos com condroprotetores ao longo da vida do cão.
Conforme Giovane, a alimentação dos cães policiais deve ser balanceada para evitar o ganho de peso excessivo, já que a agilidade e o condicionamento físico são essenciais para seu desempenho. Dietas específicas ajudam a manter a massa muscular sem comprometer a mobilidade.
Vermifugação e vacinação
Os cães policiais, assim como qualquer outro animal, podem ser portadores de zoonoses. Por isso, a desverminação e o controle de ectoparasitas devem ser realizados periodicamente.
Segundo o veterinário, a vacinação também deve ser seguida, pois algumas doenças infecciosas, como cinomose e tosse dos canis, podem afetar o sistema olfatório e neurológico, prejudicando a capacidade de reconhecimento de odores, uma habilidade essencial para esses cães.
Aposentadoria e longevidade
O médico veterinário Giovane explica que o estresse e a carga de trabalho intensa podem exigir uma aposentadoria antecipada. Embora a expectativa de vida de raças grandes varie entre 10 e 12 anos, hoje não é raro encontrar cães policiais que chegam aos 14 ou 15 anos com os devidos cuidados.
No entanto, de acordo com Giovane, cães de grande porte têm maior propensão a desenvolver doenças cardíacas, tumores e problemas imunomediados mais precocemente do que cães menores.
Garantir um acompanhamento veterinário contínuo e uma rotina de cuidados adequada é essencial para que esses animais tenham uma vida longa e saudável, tanto durante sua atuação profissional quanto após a aposentadoria.