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Para entender melhor a rotina dessas líderes, o g1 conversou com duas mulheres da região de Sorocaba (SP) que tomam as rédeas das famílias dentro de suas respectivas residências. Dados foram divulgados pelo IBGE, no Censo 2022. Região de Sorocaba possui mais de 412 mil lares chefiados por mulheres
Arquivo pessoal
A região de Sorocaba (SP) conta com 412.676 lares chefiados por mulheres, segundo os dados do Censo 2022, divulgados pelo Instituto de Geografia e Estatística (IBGE). O número, que representa 44,94% das casas, é definido pela resposta do morador sobre quem é o responsável pela família.
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O número, dividido em 21 cidades, possui uma representatividade ainda maior em Votorantim (SP), onde 49,25% das casas são lideradas por uma figura feminina. Já Alumínio (SP) é o município cuja parcela de participação é a mais reduzida, com apenas 34,92%. Veja no mapa abaixo:
No caso de Sorocaba, cidade principal, há 126.612 representantes domiciliares mulheres. Somente na cidade, o número representa 30,68% do total das chefes de casa de toda a região.
Para conhecer e entender melhor a rotina de parte dessa população, o g1 conversou com duas mulheres de Sorocaba que, apesar de contrastarem bastante em seus estilos de vida e criação, podem ser consideradas símbolos de força e referência em uma sociedade ainda considerada majoritariamente patriarcal.
Guerreira desde o início
Gislaine Francisca Galhardo Egidio, de 61 anos, é a caçula de outros cinco irmãos. Natural de Birigui (SP), a empresária começou a vida com um dos maiores desafios que uma pessoa pode enfrentar: lutar pela própria vida. Ela nasceu pesando apenas 800 gramas, devido a um parto prematuro aos seis meses de gestação.
“Eu nasci um ‘ratinho’. Foi difícil para ‘vingar’, sem médico, sem UTI, sem estrutura nenhuma, mas deu certo. Depois disso, fui criada na capital. Por conta desse nascimento precário, sempre fui muito ‘paparicada’ e protegida pelo meu pai e pelas minhas irmãs, que eram bem mais velhas que eu. Comecei a trabalhar aos 17 anos, como recepcionista em um feirão de automóveis”, lembra.
Com o passar do tempo, Gislaine chegou a se casar com o pai de seus dois filhos. Para ela, a maternidade veio aos 35 anos, idade considerada já incomum e, em alguns casos, sinônimo de gravidez de risco para algumas mulheres.
“Resolvi ser mãe um tanto tarde, pois não queria parar de trabalhar. Aos 35, tive a Manuela e, aos 36, tive o Pedro. Desde então, nunca mais trabalhei, pois o meu marido tinha condições de dar uma vida boa para todos nós. Nos mudamos para Sorocaba há cerca de 18 anos, para criar eles com mais tranquilidade”, conta.
Gislaine com a mãe e as irmãs
Arquivo pessoal
Nas palavras da empresária, seu marido era uma pessoa de muita saúde, forte e cheia de sonhos, entre eles, fazer uma viagem de volta ao mundo de carro. No entanto, ele descobriu um câncer no pulmão que, segundo os médicos, era inoperável, causando uma mudança em toda a estrutura na família de Gislaine.
“Meu marido era um homem forte. Nunca foi ao médico, nunca teve uma dor de cabeça, nunca bebeu, nunca fumou. Mesmo assim, foi diagnosticado com um câncer no pulmão aos 50 anos. Ele era jovem, tinha uma vida pela frente. A mudança começou aí, foi um baque muito grande para todos nós”, relata.
Após três anos, o marido de Gislaine morreu. Durante o tratamento, a família percebeu a hipótese de que ela precisaria de ajuda para uma reestruturação, tanto psicológica, como financeira. Por isso, seu sobrinho, dono de uma empresa nos Estados Unidos, abriu uma filial do negócio no Brasil, para que ela pudesse cuidar da parte administrativa dos clientes brasileiros envolvidos com a empresa americana.
Casamento de Gislaine e seu marido
Arquivo pessoal
“Quando meu sobrinho detectou essa possibilidade de uma necessidade futura, ele abriu essa empresa no Brasil para cuidar dos clientes daqui. Ele e a mãe dele me reensinaram a trabalhar. Eu não sabia nem quanto custava um quilo de açúcar no mercado. Fui protegida desde sempre, antes pelo meu pai, depois pelo meu marido. Não sabia o que ia fazer da minha vida”, pontua.
Mesmo depois do ocorrido, a empresária continuou batalhando para manter o padrão de vida e dos seus filhos. Oito anos depois, ela descreve o desafio de tomar as rédeas de sua própria família como “uma oportunidade de aprender a viver.”
“Eu aprendi a fazer muita coisa. Hoje, eu sei dividir e mensurar as contas da casa muito bem. Minha vida foi da água para o vinho. Felizmente, meus filhos também estão bem estruturados, uma é médica e o outro está se formando em jornalismo. Foi assustador, mas foi uma lição, uma oportunidade de aprender a viver no auge dos meus 52 anos”, diz.
“Se eu me encontrasse com o meu eu do passado, diria para não parar de trabalhar mesmo depois de engravidar. É difícil se recolocar no mercado do trabalho depois de passar tanto tempo fora. Acompanhar o crescimento dos meus filhos foi maravilhoso, foi lindo ter essa oportunidade, mas, olhando para o passado, eu mudaria este fator”, complementa.
Relacionamento abusivo e tentativa de vida fora do país
Ao contrário de Gislaine, os desafios da maturidade vieram logo durante a adolescência para Elizangela Aparecida Gomes, que se casou e conheceu a maternidade com apenas 15 anos. Ela explica que, apesar de morar em Sorocaba, veio de uma família do interior do Paraná.
“Sou uma mulher de família simples, nascida em Iporã (PR). Vim para Sorocaba ainda muito jovem, onde me casei e tive minha primeira bebê com apenas 15 anos. Foi muito difícil, pois minha família era complicada em muitos quesitos diferentes”, comenta.
Elizangela e a filha mais velha
Arquivo pessoal
Elizangela revela que, antes de morar no interior de São Paulo, passou por diversas dificuldades emocionais envolvendo seus parentes, que viviam com ela até então. Mas, mesmo com a mudança, a empregada doméstica viveu um relacionamento dificultoso com o marido.
“Eu vim de uma família que bebia muito. Fui criada pelo meu avô, pois minha mãe não tinha muita condição de criar eu e meus dois irmãos. Mesmo depois, foi muito complicado, pois tive um casamento muito abusivo. Era cheio de agressões e drogas”, explica.
Por conta dos abusos, Elizangela se separou e teve que fugir de Sorocaba devido às ameaças de morte feitas pelo seu ex-marido. Nesta época, ela já era mãe de três filhos.
“Meus filhos costumavam assistir tudo, era traumático para eles, então, tomei a decisão de viver minha vida. Fugi de volta para o Paraná, porque ele me ameaçava de morte. Passei por muitas circunstâncias pesadas, desafios grandes com os meus filhos. O Conselho Tutelar foi envolvido diversas vezes”, conta.
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Entre os desafios enfrentados pela mulher, destaca-se o “ser mãe e pai” em uma pessoa só. Por muitas vezes, ela teve que escolher entre trabalhar e cuidar dos filhos, visto que eles não podiam ficar sozinhos e não havia condições de pagar uma babá.
“Depois disso, tive que aprender muita coisa. Meus filhos me ajudaram e me impulsionaram muito. Eu era sozinha, era mãe e pai ao mesmo tempo. Eu não sabia se trabalhava ou ficava em casa cuidando deles, pois os dois não dava e, se eu ficasse, nós morreríamos de fome”, lamenta.
Depois de um grande período de batalha, Elizangela decidiu recomeçar a sua vida, com o primeiro capítulo estando situado a aproximadamente 6,6 mil quilômetros de distância. Segundo a chefe da família, ela decidiu “tentar a sorte” no continente europeu.
Elizangela viajou à França para tentar mais oportunidades de vida
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“Fiquei um ano na França, onde decidi tentar a sorte. Fui para ver se conseguia conquistar alguma coisa, já que o nosso país nos prende muito, não conseguia adquirir nada. Voltei há quatro meses, mas foi uma experiência nada menos que maravilhosa. Eu aprendi muito e mudou a minha vida”, celebra.
Hoje mãe de quatro filhos, ela afirma que não mudaria absolutamente nada de seu passado. Na visão de Elizangela, cada uma das suas vivências lhe trouxe um aprendizado muito importante, entre eles, saber valorizar cada conquista da vida.
“Depois de um tempo, me relacionei e tive meu filho mais novo, que tem dez anos. Só tenho a agradecer a Deus por tudo que aprendi, eu não saberia valorizar se não tivesse passado por tudo que passei. Fiz tudo com muito sacrifício, cuidei e transformei meus filhos em pessoas maravilhosas. Esse é o meu maior orgulho”, finaliza.
*Colaborou sob supervisão de Gabriela Almeida
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