Casos aconteceram nos trechos que passam por Piraí e Barra Mansa. G1 conversou com um psiquiatra e uma farmacêutica sobre a composição e os efeitos do rebite. Caminhoneiro é flagrado com rebite na Via Dutra
Divulgação/PRF
Em menos de 13h, dois caminhoneiros foram flagrados na Via Dutra com “rebite”. Segundo a Polícia Rodoviária Federal, os motoristas utilizam esse tipo de droga, que inibe o sono e tem a venda e fabricação proibidas no Brasil, para dirigir por períodos prolongados sem dormir.
O primeiro caso aconteceu na noite de quinta-feira (13), no trecho que passa por Barra Mansa (RJ). A PRF chegou até o caminhoneiro após o motorista de um carro afirmar que tentou ultrapassar a carreta, mas que foi “fechado” pelo veículo duas vezes, quase ocorrendo um acidente.
A carreta foi abordada pela PRF em Piraí, no início da descida da Serra das Araras, na altura do km 233, por volta das 20h15.
Durante a abordagem, foi constatado que o caminhoneiro, de 28 anos, não tinha cumprido as paradas obrigatórias estabelecidas pela Lei do Descanso (entenda abaixo) e estava dirigindo por várias horas ininterruptas.
Ao ser questionado, o homem confessou que usava rebite e que estava com uma cartela na carteira.
Já o segundo flagrante ocorreu na manhã desta sexta-feira (14), em Barra Mansa, na altura do km 279. O caminhão foi parado porque estava com a placa de identificação dobrada.
Ainda de acordo com a PRF, durante uma revista, foram encontradas duas cartelas de rebite “extra forte”, com 22 comprimidos, na cabine do veículo.
Os dois motoristas foram autuados por comprar, guardar ou portar drogas sem autorização para consumo próprio.
O primeiro condutor também foi multado com base na Lei do Descanso, sendo obrigado a ficar parado no posto da PRF Caiçara, em Piraí, por 11 horas. Em seguida, ele foi liberado para seguir viagem.
Sobre o rebite
Rebite
Divulgação/ 9ª CIPM
O rebite é um termo coloquial usado no Brasil para se referir às anfetaminas ou medicamentos estimulantes similares utilizados para se manter acordado por mais tempo.
“Podemos dizer que o ‘rebite’ atualmente se refere a uma classe de medicamentos que fazem parte do grupo das anfetaminas. Essas anfetaminas têm semelhança química estrutural com as catecolaminas (adrenalina e noradrenalina). E por ter uma analogia estrutural, as anfetaminas agem no nosso cérebro aumentando a liberação de catecolaminas, inibindo a recaptação e agindo semelhantemente como uma catecolamina nos receptores pós-sinápticos do cérebro”, pontuou a farmacêutica, Marcelle Alves Carvalho.
“Essas drogas funcionam estimulando o sistema nervoso central. Aumenta a liberação e a atividade de neurotransmissores, como a dopamina e a norepinefrina, que são responsáveis por aumentar a tensão, o estado de alerta e a energia”, explicou o psiquiatra, Dr. Fernando Guilherme de Sá Martins.
O uso de rebite pode causar efeitos no organismo, como agitação, ansiedade, irritabilidade, insônia, euforia e outros.
“Ao término do efeito dessa droga, acontece o que chamamos de queda ou crash, que é caracterizado pelo cansaço extremo, depressão, irritabilidade e uma necessidade intensa de dormir. E o uso repetido pode levar a um ciclo de dependência e abstinência, disse Fernando.
A droga é usada por motoristas que dirigem longas distâncias para conseguirem se manter acordados por muito tempo.
“Os caminhoneiros utilizam rebites, principalmente, para combater a sonolência e o cansaço, porque esses estimulantes, de certa forma, acabam permitindo que os caminhoneiros dirijam por períodos prolongados sem dormir. Às vezes, a pressão para cumprir prazos apertados e maximizar ganhos financeiros são fatores que muitas vezes contribuem para o uso dessa droga”, explicou o psiquiatra, Fernando de Sá Martins.
O uso do medicamento causa efeitos colaterais nos motoristas e podem provocar acidentes na estrada.
“Pode alterar o comportamento do indivíduo, no caso dos motoristas, torná-lo mais agitado, confiante, além do normal, se colocando em risco e aos outros, podendo cometer infrações de trânsito que possam ocasionar acidentes graves como exceder o limite de velocidade, ultrapassagem indevida, pode perder a noção de distância e espaço. No caso de caminhões e carretas, não reduzindo a velocidade de forma segura ao fazer uma curva, podendo ocorrer tombamentos ou outros tipos de acidente”, explicou o Policial Rodoviário Federal, Carlos André Nogueira Fernandes.
“Esses efeitos podem fazer com que o motorista tenha um problema de saúde dirigindo, e também dependendo do excesso da dose e da sensibilidade da pessoa pode aparecer um verdadeiro estado de paranóia e até alucinações o que gera um acidente de trânsito”, completou Marcelle.
Fabricação e venda é proibida no Brasil
A fabricação e a venda do rebite é proibida no Brasil. Em 2011, a Anvisa retirou do mercado as substâncias inibidoras de apetite do tipo anfetamínicos – mazindol, femproporex e anfepramona.
“Para essa decisão foram analisados mais de 170 trabalhos científicos e realizadas discussões técnicas, inclusive com outras agências regulatórias do mundo, que naquele momento haviam concluído análises semelhantes”, disse Marcelle.
“A venda dessas substâncias foi proibida justamente por juntamente com outras substâncias estimulantes e anestésicas serem utilizadas com potencial uso abusivo, representando sérios riscos à saúde da população”, completou a farmacêutica.
Como caminhoneiros têm acesso ao rebite
Com a proibição da venda da droga no país, acredita-se que os caminhoneiros e motoristas acabam conseguindo o rebite de forma ilegal.
“Eles podem conseguir isso, através do Paraguai, como esse medicamento chega aqui no Brasil. Ele não é fabricado aqui no Brasil, ele não é permitido mais. Através de fronteiras como Paraguai, deve entrar ilegalmente. A maioria que a gente abordou e flagrou, eles falam que, às vezes, estão em postos de combustíveis na estrada e aparecem indivíduos vendendo”, esclareceu o PRF Carlos André Nogueira.
Efeito pode durar até 12h no organismo
De acordo com o Dr. Fernando Guilherme, “o tempo de duração do efeito dessas drogas no organismo vai variar muito, podendo levar de 4 a 12 horas”, mas “depende muito da dosagem e da substância específica utilizada.”
O consumo contínuo do medicamento pode viciar e causar dependência física e psicológica no usuário.
“O uso contínuo pode levar à tolerância, exigindo cada vez mais doses mais altas para obter o mesmo efeito e a dependência onde o indivíduo sente necessidade de tomar droga para funcionar normalmente”, comentou Dr. Fernando.
Em casos de dependência, o tratamento envolve uma abordagem multidisciplinar, incluindo desintoxicação médica, que deve ser supervisionada por profissionais de saúde para gerenciar sintomas de abstinência.
“A terapia cognitivo-comportamental também ajuda a modificar os comportamentos e pensamentos relacionados ao uso de drogas. Um grupo de apoio também é muito bom, por exemplo, Narcóticos Anônimos, que oferecem suporte a estratégias de enfrentamento. E, em muitos casos, é necessário utilizar uma medicação para ajudar a lidar com sintomas de abstinência ou condições coexistentes, como, por exemplo, depressão e ansiedade”, finalizou Dr. Fernando.
Entenda sobre a Lei do Descanso
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Larissa Matarésio/G1
A Lei dos Caminhoneiros, conhecida como Lei do Descanso, que determina, entre outras regras, o período de descanso nas viagens, foi aprovada pelo Congresso e sancionada pela então presidente Dilma Roussef, em 2015. O texto foi fruto de reivindicações da categoria e do entendimento do governo sobre como a profissão deveria ser disciplinada.
Inicialmente, a lei dizia que as horas de descanso poderiam ser parceladas ao longo da jornada. Em julho de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao analisar trechos do texto, estabeleceu que as 11h de descanso devem ser contínuas.
A falta de intervalo adequado nas viagens de caminhão e ônibus é um problema histórico para motoristas. Movidos por prazos curtos e possibilidades de lucros maiores, eles não observam o mínimo exigido.
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