Quatro policiais que participaram de operação em 2015 em Niterói vão a júri popular, acusados do homicídio de rapaz de 17 anos. Um dos PMs, sem saber, foi gravado por corregedoria supostamente confessando irregularidades na ação policial. MP denuncia 4 PMs por execução de menor no RJ
A investigação da morte de um suspeito uma operação da polícia em 2015 sofreu uma reviravolta depois que uma nova prova veio à tona. O inquérito, que inicialmente concluiu que a morte foi decorrente de um auto de resistência – ou seja, que o suspeito morreu em confronto com a polícia – acabou resultando em uma denúncia do Ministério Público contra quatro PMs por homicídio.
A reviravolta aconteceu depois que um dos policiais envolvidos foi gravado pela corregedoria e, segundo o MP, admitiu em conversas a uma namorada que a cena do crime foi adulterada e que o suspeito, um adolescente, não estava armado.
Na noite de 10 de fevereiro de 2015, policiais militares realizaram uma operação na Comunidade da Ciclovia, às margens da Lagoa de Piratininga, em Niterói. Os policiais disseram em depoimento na delegacia que foram recebidos a tiros pelos traficantes.
Houve confronto, um suspeito foi baleado e fugiu. De acordo com a versão dos PMs, o suspeito foi encontrado depois caído ao chão, sem se mexer, em uma beco da favela. Com ele, identificado como Erlan da Paixão Barros, de 17 anos, os PMs disseram que foram apreendidas uma pistola e uma mochila com um radiotransmissor e drogas. O caso foi registrado como homicídio decorrente de intervenção policial, ou seja, morte em confronto com a polícia.
Em setembro do mesmo ano, sete meses depois da operação, a Polícia Civil concluiu que “os indícios apontam para a licitude da ação dos militares. Não tendo sido constatado excesso na ação policial, legitimando a conduta dos militares que agiram no estrito cumprimento do dever legal ao revidar a injusta agressão perpetrada pela vítima”.
Quatro policiais militares participaram da incursão que resultou na morte de Erlan. Entre eles o sargento Marcelo de Azevedo Pereira Cardoso.
Nova prova
Sem saber que estava com o telefone grampeado por conta de uma investigação da Corregedoria da PM, o sargento telefonou para a namorada logo depois da operação que terminou com a morte de Erlan. Na conversa, de acordo com as investigações, Cardoso admite que Erlan não estava armado:
Cardoso: Sabe aquele meu negócio que eu falei que eu ando? Que fica embaixo do banco?
Namorada: Hã?
Cardoso: Foi de ralo, pô.
Namorada: Por quê?
Cardoso: Hã? Tava sem nada, pô.
Namorada: Que m*, hein.
Em outra ligação, Cardoso fala: “Detalhe, né, fiquei na mão. Porque teve que botar minha peça, né! Minha não, né, da equipe, né? Agora só tô com minha pistola, que tá travada”.
O sargento também admite que furtou R$ 250 que estavam no bolso de Erlan.
Cardoso: Oi vida! Oi vida! Lá tinha R$ 250 no bolso dele. Peguei e entoquei. O [inaudível] que tava comigo nem viu.
Namorada: Hum!
Em outro trecho, segundo as investigações, Cardoso diz que pegou o celular de Erlan, e que daria de presente à namorada.
Cardoso: E olha, só, se não der ruim, tô levando o celular dele novinho, branco.
Namorada: Aí desliga.
Cardoso: Se nego não olhar, não perguntar aqui… aí eu vou, entendeu, jogar pra você. Tá bom?
Ao ser interrogado pela Justiça, o sargento contou uma versão diferente:
Juíza: Esses fatos são verdadeiros, fatos narrados na denúncia?
Cardoso: Não, senhora.
Juíza: O senhor forjou essa ocorrência? Plantou arma fria? Subtraiu pertences da vítima?
Cardoso: Não, senhora. Não.
Juíza: O senhor sabe que tinha uma interceptação telefônica em andamento?
Cardoso: Sei.
Juíza: Então o senhor tem conhecimento do contéudo dela?
Cardoso: Sim.
Juíza: E o que o senhor tem a dizer a respeito disso?
Cardoso: Excelência. As escutas, quem passou pro Ministério Público, chegaram meio embaralhadas. Realmente falei umas mentiras pra impressionar uma menina nova que eu tava namorando.
Além do sargento Marcelo Cardoso, o Ministério Público do Rio denunciou o tenente Maykon Ewerton Santos, o cabo João Paulo de Oliveira Passos e o soldado Romilson Moraes dos Santos. Todos foram acusados pelo crime de homicídio qualificado, por motivo fútil.
Em 2023, a Justiça do Rio decidiu mandar os 4 PMs a júri popular. A data ainda não foi marcada, porque as defesas recorreram da decisão. O recurso está agora aguardando julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Na denúncia, o MPRJ destaca que “o crime foi cometido por motivo torpe, qual seja, ‘justiçamento’, decorrente de atividade típica de extermínio, uma vez que a vítima estaria, supostamente, envolvida no tráfico de entorpecentes”.
Além disso, a denúncia afirma que “as lesões descritas na prova técnica se mostram incompatíveis com as versões trazidas pelos policiais militares e, principalmente, quanto ao momento do seu óbito”.
E que “da análise das interceptações telefônicas, pode se notar que a vítima não estava armada como no relato dos policiais, tendo o sargento da PMERJ Cardoso implantado uma arma fria nas mãos da vítima”.
Outro lado
A defesa do sargento Marcelo Cardoso declarou em nota que “não tem qualquer dúvida de que foi uma ocorrência absolutamente legal e regular e que não houve em momento algum o cometimento dos crimes narrados na peça exordial acusatória. Não há qualquer harmonização das provas sustentadas pela acusação com o contexto fático real da ocorrência”. Diz ainda que “está plenamente convencida quanto a completa inocência do acusado, o que certamente restará provado no decorrer da instrução criminal” e que a denúncia do MPRJ é baseada “tão somente no achismo e na conjectura açodada do ilustre representante do Ministério Público”.
A defesa do tenente Maykon Ewerton Santos e do soldado Romilson Moraes dos Santos afirmou em comunicado que, em relação aos áudios da interceptação telefônica atribuídos ao sargento Marcelo Cardoso, “tanto o referido policial quanto o parecer técnico elaborado por expert, comprovam que os conteúdos das gravações são inverídicos e não têm qualquer relação com os demais policiais”. Segundo a nota, “os policiais agiram em legitima defesa na hipótese de auto de resistência”. Afirma ainda que “nenhum policial deseja utilizar da força, mas todos eles tem o direito e precisam preservar suas vidas e integridade física, sendo genuíno revidar injusta agressão com os meios moderados possíveis, o que resume a legítima defesa, razão pela qual acredita-se na absolvição dos policiais em questão como medida de justiça, visto que inocentes”.
A defesa do cabo João Paulo de Oliveira Passos também foi procurada, mas não quis se manifestar.
A investigação da morte de um suspeito uma operação da polícia em 2015 sofreu uma reviravolta depois que uma nova prova veio à tona. O inquérito, que inicialmente concluiu que a morte foi decorrente de um auto de resistência – ou seja, que o suspeito morreu em confronto com a polícia – acabou resultando em uma denúncia do Ministério Público contra quatro PMs por homicídio.
A reviravolta aconteceu depois que um dos policiais envolvidos foi gravado pela corregedoria e, segundo o MP, admitiu em conversas a uma namorada que a cena do crime foi adulterada e que o suspeito, um adolescente, não estava armado.
Na noite de 10 de fevereiro de 2015, policiais militares realizaram uma operação na Comunidade da Ciclovia, às margens da Lagoa de Piratininga, em Niterói. Os policiais disseram em depoimento na delegacia que foram recebidos a tiros pelos traficantes.
Houve confronto, um suspeito foi baleado e fugiu. De acordo com a versão dos PMs, o suspeito foi encontrado depois caído ao chão, sem se mexer, em uma beco da favela. Com ele, identificado como Erlan da Paixão Barros, de 17 anos, os PMs disseram que foram apreendidas uma pistola e uma mochila com um radiotransmissor e drogas. O caso foi registrado como homicídio decorrente de intervenção policial, ou seja, morte em confronto com a polícia.
Em setembro do mesmo ano, sete meses depois da operação, a Polícia Civil concluiu que “os indícios apontam para a licitude da ação dos militares. Não tendo sido constatado excesso na ação policial, legitimando a conduta dos militares que agiram no estrito cumprimento do dever legal ao revidar a injusta agressão perpetrada pela vítima”.
Quatro policiais militares participaram da incursão que resultou na morte de Erlan. Entre eles o sargento Marcelo de Azevedo Pereira Cardoso.
Nova prova
Sem saber que estava com o telefone grampeado por conta de uma investigação da Corregedoria da PM, o sargento telefonou para a namorada logo depois da operação que terminou com a morte de Erlan. Na conversa, de acordo com as investigações, Cardoso admite que Erlan não estava armado:
Cardoso: Sabe aquele meu negócio que eu falei que eu ando? Que fica embaixo do banco?
Namorada: Hã?
Cardoso: Foi de ralo, pô.
Namorada: Por quê?
Cardoso: Hã? Tava sem nada, pô.
Namorada: Que m*, hein.
Em outra ligação, Cardoso fala: “Detalhe, né, fiquei na mão. Porque teve que botar minha peça, né! Minha não, né, da equipe, né? Agora só tô com minha pistola, que tá travada”.
O sargento também admite que furtou R$ 250 que estavam no bolso de Erlan.
Cardoso: Oi vida! Oi vida! Lá tinha R$ 250 no bolso dele. Peguei e entoquei. O [inaudível] que tava comigo nem viu.
Namorada: Hum!
Em outro trecho, segundo as investigações, Cardoso diz que pegou o celular de Erlan, e que daria de presente à namorada.
Cardoso: E olha, só, se não der ruim, tô levando o celular dele novinho, branco.
Namorada: Aí desliga.
Cardoso: Se nego não olhar, não perguntar aqui… aí eu vou, entendeu, jogar pra você. Tá bom?
Ao ser interrogado pela Justiça, o sargento contou uma versão diferente:
Juíza: Esses fatos são verdadeiros, fatos narrados na denúncia?
Cardoso: Não, senhora.
Juíza: O senhor forjou essa ocorrência? Plantou arma fria? Subtraiu pertences da vítima?
Cardoso: Não, senhora. Não.
Juíza: O senhor sabe que tinha uma interceptação telefônica em andamento?
Cardoso: Sei.
Juíza: Então o senhor tem conhecimento do contéudo dela?
Cardoso: Sim.
Juíza: E o que o senhor tem a dizer a respeito disso?
Cardoso: Excelência. As escutas, quem passou pro Ministério Público, chegaram meio embaralhadas. Realmente falei umas mentiras pra impressionar uma menina nova que eu tava namorando.
Além do sargento Marcelo Cardoso, o Ministério Público do Rio denunciou o tenente Maykon Ewerton Santos, o cabo João Paulo de Oliveira Passos e o soldado Romilson Moraes dos Santos. Todos foram acusados pelo crime de homicídio qualificado, por motivo fútil.
Em 2023, a Justiça do Rio decidiu mandar os 4 PMs a júri popular. A data ainda não foi marcada, porque as defesas recorreram da decisão. O recurso está agora aguardando julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Na denúncia, o MPRJ destaca que “o crime foi cometido por motivo torpe, qual seja, ‘justiçamento’, decorrente de atividade típica de extermínio, uma vez que a vítima estaria, supostamente, envolvida no tráfico de entorpecentes”.
Além disso, a denúncia afirma que “as lesões descritas na prova técnica se mostram incompatíveis com as versões trazidas pelos policiais militares e, principalmente, quanto ao momento do seu óbito”.
E que “da análise das interceptações telefônicas, pode se notar que a vítima não estava armada como no relato dos policiais, tendo o sargento da PMERJ Cardoso implantado uma arma fria nas mãos da vítima”.
Outro lado
A defesa do sargento Marcelo Cardoso declarou em nota que “não tem qualquer dúvida de que foi uma ocorrência absolutamente legal e regular e que não houve em momento algum o cometimento dos crimes narrados na peça exordial acusatória. Não há qualquer harmonização das provas sustentadas pela acusação com o contexto fático real da ocorrência”. Diz ainda que “está plenamente convencida quanto a completa inocência do acusado, o que certamente restará provado no decorrer da instrução criminal” e que a denúncia do MPRJ é baseada “tão somente no achismo e na conjectura açodada do ilustre representante do Ministério Público”.
A defesa do tenente Maykon Ewerton Santos e do soldado Romilson Moraes dos Santos afirmou em comunicado que, em relação aos áudios da interceptação telefônica atribuídos ao sargento Marcelo Cardoso, “tanto o referido policial quanto o parecer técnico elaborado por expert, comprovam que os conteúdos das gravações são inverídicos e não têm qualquer relação com os demais policiais”. Segundo a nota, “os policiais agiram em legitima defesa na hipótese de auto de resistência”. Afirma ainda que “nenhum policial deseja utilizar da força, mas todos eles tem o direito e precisam preservar suas vidas e integridade física, sendo genuíno revidar injusta agressão com os meios moderados possíveis, o que resume a legítima defesa, razão pela qual acredita-se na absolvição dos policiais em questão como medida de justiça, visto que inocentes”.
A defesa do cabo João Paulo de Oliveira Passos também foi procurada, mas não quis se manifestar.