As pessoas que estão em Gaza falam de alegria, mas também descrevem tristeza e preocupação enquanto o território for reconstruído. População de Gaza comemora o acordo de cessar-fogo
“Esperamos por isso há muito tempo”, diz Sanabel, de 17 anos.
“Finalmente, vou colocar minha cabeça no travesseiro sem me preocupar.”
Ela é uma entre milhões de palestinos em Gaza que celebram o acordo de cessar-fogo que os Estados Unidos e os mediadores do Catar dizem ter sido acertado entre Israel e Hamas na quarta-feira (15/1), após 15 meses de guerra.
Parte da primeira fase do acordo, que entra em vigor em 19 de janeiro, verá as forças israelenses se retirarem das áreas povoadas de Gaza, o que permitirá o retorno dos palestinos deslocados às suas casas.
Centenas de caminhões de ajuda também serão autorizados a entrar no território todos os dias.
Os moradores de Gaza celebraram com alegria e alívio, mas também mostraram tristeza e preocupação enquanto lamentam a morte de entes queridos e começam a reconstruir o território após mais de um ano de devastação.
‘Finalmente, vou colocar minha cabeça no travesseiro sem me preocupar’, diz Sanabel (à direita na foto).
Arquivo pessoal via BBC
Em entrevista ao Serviço Mundial da BBC após as notícias do cessar-fogo, Sanabel, que está na Cidade de Gaza, disse: “Finalmente! Conseguimos o que queríamos! Todos nós estamos felizes agora!”
Ela disse que sua família planejava voltar para casa ainda “no meio da noite” no carro recém-consertado de seu pai.
Tanto o Catar quanto os EUA confirmaram o acordo de cessar-fogo e a libertação de reféns após as negociações progredirem nas últimas semanas, o que gerou comemorações tanto em Gaza quanto das famílias dos reféns israelenses.
Um representante do Hamas disse anteriormente que havia aprovado o rascunho do acordo elaborado pelos mediadores.
O gabinete do primeiro-ministro israelense declarou que havia “várias cláusulas não resolvidas”, mas esperava que os detalhes pudessem ser finalizados ainda na quarta-feira (15/1) à noite.
O acordo entrará em vigor no domingo (19/1), desde que seja aprovado pelo gabinete israelense.
“Eu me sinto ótima, nunca estive tão feliz”, afirmou Dima Shurrab, de 19 anos, à BBC em uma mensagem de WhatsApp.
“Não consigo acreditar no que está acontecendo ao meu redor agora. Estou sonhando?”, questionou ela.
“Aqui em Gaza, estamos felizes, mas temos medo. O medo desaparecerá quando o acordo entrar em vigor.”
Há apenas dois meses, Shurrab encerrou uma entrevista com a frase: “Reze para que continuemos vivos.”
Dima Shurrab disse que ainda estava com medo, mas esse temor ‘desapareceria’ quando o acordo de cessar-fogo começasse.
BBC
A família de Shurrab vive atualmente em uma casa parcialmente destruída após precisar fugir diversas vezes.
Eles sobreviveram com pão, nozes, ervilhas, feijões e alguns vegetais muito caros.
Ela andou até dois quilômetros para pegar água e acendeu fogueiras porque não tinha gás de cozinha.
Shurrab ganhou uma bolsa para estudar Medicina na Argélia, mas a guerra começou dois dias depois que ela enviou o passaporte para obter um visto.
Ela não tinha condições de pagar cerca de US$ 5 mil (R$ 30 mil) a um intermediário para sair por Rafah — a única opção até maio, quando a travessia foi fechada completamente.
“Senti que meu futuro e meus sonhos foram bloqueados”, disse ela.
Agora, porém, um cessar-fogo renova as ambições de estudar para se tornar uma médica no futuro.
A primeira fase do acordo, com duração de seis semanas, também verá 33 dos quase 100 reféns mantidos pelo Hamas trocados por detentos palestinos que estão em prisões israelenses.
As negociações para a segunda fase começariam no 16º dia do cessar-fogo.
Essa nova etapa deve ser marcada pela libertação dos demais reféns, uma retirada total das tropas israelenses de Gaza e uma “paz sustentável”.
O terceiro e último estágio envolverá a reconstrução de Gaza, o que poderia levar anos, e o retorno dos corpos de quaisquer reféns restantes.
‘Oscilação entre alegria e tristeza’
Farida, uma professora deslocada do norte de Gaza, disse que não vê a mãe, o pai e os irmãos há mais de um ano.
Em entrevista direto de Deir al-Balah, que fica no centro de Gaza, ela disse à BBC: “Atualmente, vivenciamos um estado de antecipação, medo e ansiedade.”
“Também passamos por sentimentos de impaciência… Tentamos respirar a liberdade que nos foi negada.”
“Não importa o quanto eu fale, não serei capaz de descrever os sentimentos mistos que me dominam e a felicidade que sinto agora por retornar ao norte.”
Reem, uma mãe que também foi deslocada do norte, onde perdeu a casa, afirmou: “Graças a Deus, finalmente vivemos este momento que nunca esperávamos.”
“Meu sentimento agora oscila entre alegria e tristeza.”
Já Hashim Adel Abu Eiala disse à BBC que vivenciava “o melhor sentimento do mundo”.
“Esperamos há mais de um ano e três meses em meio ao sofrimento, morte, destruição, matança e fome.”
“Temos sido pacientes e demonstramos firmeza como nenhum outro povo no mundo ou na região árabe.”
Ele vive em uma tenda há 15 meses e vai “ajoelhar-se, para agradecer a Deus” quando retornar para casa.
“Desejamos que essa alegria termine bem”, acrescentou Abu Eiala.
Uma criança palestina salta dos escombros de um edifício destruído em ataques israelenses anteriores.
Reuters via BBC
O exército israelense lançou uma campanha contra o Hamas em resposta ao ataque sem precedentes do grupo no sul de Israel em 7 de outubro de 2023, no qual cerca de 1.200 pessoas foram mortas e outras 251 acabaram reféns.
Mais de 46.700 pessoas foram mortas em Gaza desde então, de acordo com o Ministério da Saúde do território administrado pelo Hamas.
A maior parte da população de Gaza, estimada em 2,3 milhões de pessoas, também foi deslocada.
Há destruição generalizada no local, com uma escassez severa de alimentos, combustível, remédios e abrigo.
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