Família ucraniana que fugiu da guerra consegue reabrir cafeteria vegana no Brasil: ‘Acredito que teremos sucesso’


Sonho foi revelado ao g1 em agosto de 2023 e realizado em janeiro deste ano. Ucranianos chegaram ao país há um ano e escolheram a cidade de Paraty, no litoral do Rio de Janeiro. Cafeteria vegana em Paraty
Reprodução/Arquivo pessoal
Se há exatamente um ano o sentimento era de dúvida de como seria recomeçar a vida do zero no Brasil, neste 6 de março de 2024, a família ucraniana que fugiu da guerra para viver em Paraty, no litoral do Rio de Janeiro, tem motivos para comemorar. Isso porque o sonho de Olena Hordiienko, o esposo e a filha, hoje com quase 2 anos, de reabrir uma cafeteria vegana que eles tinham na Ucrânia foi realizado.
Em agosto de 2023, Olena conversou com o g1 e revelou o desejo de ter o próprio espaço para “trabalhar e contribuir com a cidade com uma comida diferente, que os brasileiros não conhecem”.
Assim que chegaram ao Brasil, os ucranianos conseguiram alugar um ponto comercial para reabrir a cafeteria vegana. O estabelecimento, no entanto, ficava longe do Centro Histórico. Isso fez com que poucas pessoas ficassem sabendo do empreendimento, que acabou fechando.
A saída para sobreviver foi optar pelo delivery, que funcionou de junho até novembro de 2023. No dia 12 de janeiro deste ano, após inúmeras tentativas, a família finalmente conseguiu reabrir a cafeteria. Desta vez, no Centro Histórico da cidade.
“Trabalhávamos com delivery antes da reabertura do café, mas não havia muitos pedidos. Agora, pretendemos trabalhar com delivery não só em nossa cidade, mas também enviar nossos produtos pelos Correios para todo o Brasil”, disse Olena.
Olena, esposo e a filha – refugiados da guerra na Ucrânia que se mudaram para o Brasil
Reprodução/Arquivo pessoal
Para a surpresa dos ucranianos, o estabelecimento recebeu muitos clientes já no dia da reinauguração.
Apesar de estar aberta há menos de dois meses, Olena confia no sucesso da cafeteria e diz contar com o apoio dos moradores e turistas que vão a Paraty.
“Eu realmente acredito que teremos sucesso! Agora, estamos apenas no início da jornada e isso a torna ainda mais interessante. E, claro, o apoio e a participação de todos são importantes para nós agora. Agradeço a todos os visitantes, pois cada compra nos ajuda”, disse Olena.
Na pequena empresa familiar, a mulher fica responsável pela produção e venda dos produtos. Já o marido é quem cuida das entregas, compras e logística.
Pão de linhaça
Reprodução/Arquivo pessoal
No cardápio, produtos 100% veganos: panquecas, pães, biscoitos, limonadas, mojitos naturais, entre outras variedades. Segundo Olena, os chips de tomate e a mousse de chocolate vegano são os mais procurados.
Para facilitar o entendimento dos clientes, os ucranianos montaram um cardápio intuitivo. Nas bebidas, por exemplo, foram coladas figuras das frutas e legumes que compõem os produtos.
A cafeteria funciona todos os dias, das 10h às 22h. A cada duas semanas, os ucranianos tiram um dia de folga, geralmente na terça-feira. Com o sucesso nas vendas, Olena pretende contratar uma assistente para ter mais tempo para ela e para família.
Ucranianos criam cardápio intuitivo
Reprodução/Arquivo pessoal
Idioma
Olena e o esposo não falam português fluentemente. Eles se comunicam com os clientes com a ajuda de um tradutor on-line, mas isso não é um problema para as vendas na cafeteria.
“Comunico-me com os visitantes através de um intérprete [tradutor on-line] e isso é bastante cômodo para mim. Até as pessoas gostam, principalmente as crianças. Os brasileiros são muito leais e muito amigáveis ​​nesse aspecto. Desde a abertura da nossa loja, não houve mal-entendidos”, disse Olena.
O pouco do português que Olena aprendeu graças a uma aula gratuita ministrada pela internet ajudou em dois dias atípicos durante o Carnaval.
“Infelizmente, não tenho inclinação para estudar línguas e esqueço constantemente as palavras. Mas, durante o Carnaval, aconteceu um incidente interessante: a Internet desapareceu por 2 dias e continuei vendendo sem perder visitantes. Meu conhecimento de português me ajudou numa situação tão inesperada”, explicou ela.
Além do conhecimento básico, Olena também contou com a ajuda de comerciantes vizinhos.
“Na época em que não havia Internet, os vendedores das lojas vizinhas me ajudavam, faziam anúncios e traziam visitantes. Isso me fez me apaixonar ainda mais pelo Brasil. As pessoas aqui são muito abertas e gentis. A gentileza e a abertura das pessoas nos dão apoio”, completou.
Caminho até a reabertura da cafeteria
Mas, antes do “final feliz”, os ucranianos passaram por momentos de incertezas. Até a assinatura do contrato de locação do espaço onde funciona a cafeteria, foram meses de angústia e medo de não dar certo.
“Tivemos que esperar muito tempo e, por vezes, houve momentos em que pensamos que nada ia dar certo e eles simplesmente não queriam alugar as instalações porque éramos ucranianos”, disse Olena.
A família contou com o apoio de dois amigos, um brasileiro e outro ucraniano, para que tudo desse certo.
Mais de 2 anos de guerra
Militar ucraniano em Avdiivka
Evgeniy Maloletk/Associated Press
No dia 24 de fevereiro, a guerra entre Ucrânia e Rússia completou dois anos. O conflito não tem previsão de acabar.
As forças ucranianas estão em posição defensiva, com pouca munição, e foram obrigadas a recuar em algumas regiões do país. A capacidade do governo da Ucrânia de expulsar os invasores russos depende muito da ajuda militar, financeira e política de países do Ocidente.
Tudo sobre a guerra na Ucrânia
A guerra começou quando a Rússia invadiu a Ucrânia e fez ataques pela terra, pelo ar e pelo mar. Embora não haja estatísticas fiéis, estima-se que pelo menos 500 mil pessoas morreram nos dois lados das trincheiras.
O conflito expulsou de suas casas mais de 14 milhões de ucranianos — um terço da população — e mandou 6,5 milhões de refugiados para países vizinhos, de acordo com dados da Organização Internacional para as Migrações.
“A guerra não terminou, e pessoas morrem todos os dias na Ucrânia. Esta é uma enorme tragédia não só para o nosso país, mas para o mundo inteiro! Às vezes, sinto muita falta da minha terra natal, da vida dos sonhos que tínhamos antes de 24/02/22, mas enquanto a guerra continuar, não planejamos voltar”, contou Olena.
O contato com a familiares e amigos é feito quase todos os dias. Segundo Olena, “o coração aperta de dor toda vez que recebo más notícias”.
Filha nasceu ‘com sons de sirene’
Bombardeio em Kiev no dia 24/02/2022
Reprodução/Arquivo pessoal
Olena e o esposo moravam em Vassilkov, uma cidade próxima à capital Kiev. O prédio deles ficava muito perto de uma pista de pouso e decolagem de aeronaves militares. Desde o início da guerra, em fevereiro de 2022, o local era alvo de intensos bombardeios. Não havia porão, bunker e nem estacionamento subterrâneo no edifício. Em caso de ataques, a alternativa era se esconder nos corredores, longe de janelas.
Olena estava grávida de Valentyna quando a guerra começou. Ela e o esposo tentaram deixar a Ucrânia em abril de 2022, cruzando a fronteira com a Geórgia, mas não conseguiram por questões burocráticas.
Como estava no sétimo mês da gestação, Olena e o marido deixaram o apartamento em que moravam para que Valentyna pudesse nascer um pouco longe do centro do caos. A escolha foi ir para Odessa, no sul do país, onde a situação estava mais calma.
Imóveis destruídos após bombardeio em Kiev no dia 24/02/2022
Reprodução/Arquivo pessoal
Em maio, Valentyna veio ao mundo “com sons de sirene”, conforme relatou a ucraniana ao g1 durante uma entrevista realizada com a tradução da pesquisadora de migrações e professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Svetlana Ruseishvili.
Com apenas um mês de vida, Valentyna fez sua primeira viagem. Em junho, a família decidiu voltar para casa, na região de Kiev, pois os bombardeios por lá tinham diminuído. Como em uma guerra tudo é imprevisível, no fim do outono europeu a situação piorou, e Olena bateu o martelo que era a hora de fugir.
Em meio ao medo, era preciso ter coragem. No dia 9 de janeiro de 2023, a família deixou Kiev de carro com destino à República Tcheca, país para onde uma filha de Olena (fruto de outro casamento) havia fugido dois dias antes da Valentyna nascer.
Foram “três tranquilos dias de viagem”, relembrou Olena. A parte mais complicada foi na fronteira, onde tiveram que esperar algumas horas na fila para que fosse verificada toda a documentação.
Já na República Tcheca, Olena comprou as passagens para o Brasil antecipadamente por um preço mais acessível. Com os bilhetes em mãos, era apenas esperar o dia do embarque.
No dia 6 de março, a família desembarcou em São Paulo (SP) com duas malas: uma com um liquidificador e um desidratador (que seriam utilizados na cafeteria vegana) e uma outra com latas de leite da pequena Valentyna, que já estava prestes a completar 10 meses.
Já em Paraty, Olena, o esposo e a filha ficaram hospedados por duas semanas em uma pousada — tempo suficiente para que conseguissem achar um apartamento compacto para morar. Seis meses depois, a família se mudou novamente.
Primeira foto de Olena e filha no Brasil
Divulgação/Arquivo pessoal
*Esta reportagem foi escrita com o auxílio de um tradutor on-line.
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