
Piora nas projeções do mercado para a taxa de juros está relacionada com o crescimento de dúvidas sobre o controle de gastos públicos, junto a uma expansão robusta da economia e incertezas sobre a política monetária de outros países, como os Estados Unidos. Banco Central é o responsável por definir a taxa de juros
Flickr do Banco Central
Antes previsto para 2024, o recuo da taxa de juros para o patamar de um dígito, ou seja, abaixo de 10% ao ano, não acontecerá mais no atual mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Essa é a projeção dos economistas do mercado financeiro, captada por meio da pesquisa realizada pelo Banco Central (BC) com mais de 100 bancos na semana passada.
A taxa Selic, que atualmente está em 11,25% ao ano, começou o terceiro mandato de Lula, em 2023, em 13,75% ao ano. A taxa foi reduzida no primeiro ano de governo, e começou a subir nos últimos meses.
No início do ano passado, quando foi inaugurada a gestão petista, o mercado acreditava que o juro recuaria para 9,25% ao ano, em um dígito, já em 2024.
Há algumas semanas, entretanto, os analistas passaram a estimar que a taxa voltará a ficar abaixo de 10% ao ano somente em 2027, ou seja, após o fim do atual governo.
Na próxima quarta-feira (11), o Comitê de Política Monetária (Copom) se reúne novamente e a expectativa do mercado é de que a Selic avance para 11,75% ao ano. Porém, vários economistas já estimam uma alta maior, para 12% ao ano.
Taxa básica de juros é elevada a 11,25% ao ano
Se as projeções estão em linha com as metas, pode manter ou baixar os juros. Se estão acima, a saída é elevar a taxa básica.
Ao mesmo tempo, elevam as despesas com juros do setor público e pressionam o endividamento — que atingiu 78,6% do PIB em outubro. Esse é um patamar elevado para o padrão de países emergentes.
Nos primeiros anos de seu governo, o presidente Lula, e representantes do Partido dos Trabalhadores, criticaram abertamente o presidente do BC, Roberto Campos Neto, por não baixar tanto os juros, ou por elevá-los. Indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, ele foi acusado de atuar politicamente.
Entretanto, pouparam das críticas o atual diretor de Política Monetária do BC, Gabriel Galípolo, quando este apoiou a alta da Selic. Nesta semana, Galipolo indicou que os juros permanecerão elevados por mais tempo. Ele assume a Presidência do BC em 2025.
O que aconteceu na economia
A piora na projeção do mercado para a inflação, e para os juros, está relacionada com o crescimento das dúvidas sobre o controle de gastos públicos, tarefa a cargo dos Ministérios da Fazenda e Planejamento, junto a uma expansão robusta da economia — e geração de empregos. Além de incertezas sobre a política monetária dos Estados Unidos.
De acordo com Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, o principal motivo para a piora das projeções do mercado para a taxa de juros, “sem dúvida alguma”, foi a deterioração das contas públicas no Brasil, que acabou “desancorando” as projeções de inflação, que passaram a ficar mais acima das metas centrais.
“E lembrar também que a gente sofreu bastante ao longo do ano com toda aquela dúvida em relação à política monetária [definição dos juros] nos Estados Unidos”, argumentou.
Segundo o especialista, “a taxa de juros se movendo nos Estados Unidos acabou afetando toda a dinâmica da taxa de câmbio [alta do dólar], e a gente viu aqui a inflação também principalmente dos ‘tradables’ [produtos com cotação internacional] sendo bastante pressionada.
“Mas, majoritariamente, o grande culpado dessa situação tem sido a política fiscal expansionista [alta de gastos públicos]”, seguiu Agostini.
André Perfeito, economista e mestre em Economia Política pela PUC/SP, citou três fatores que contribuíram para o mercado elevar sua projeção para a taxa de juros: o aquecimento da economia, a dificuldade com as contas públicas e a demora do BC dos EUA em baixar os juros, aliado à vitória de Donald Trump na corrida eleitoral.
“Economistas acreditavam que viria um corte de gastos, que demorou por conta do período eleitoral. Nem Bolsonaro faria o corte de gastos em ano eleitoral. Passaram as eleições, o G20, e não veio. Quando veio, teve o anúncio do IR [aumento da isenção], uma confusão na comunicação”, disse André Perfeito.
“E a maioria dos economistas acreditava que os juros dos EUA iriam cair no começo do ano. Não se confirmou, foi cortar só no segundo semestre. E a vitória do Trump criou um limite para queda lá. Caindo menos lá, tem um limite pra queda aqui. O real se enfraqueceu pela percepção de uma piora fiscal, e teve também o dólar ganhando força com o Trump”, concluiu o economista.
Após semanas de espera, a equipe econômica anunciou na última quinta-feira (28) um pacote com propostas de cortes de gastos.
Entre as medidas, estão a limitação do salário mínimo, mudanças no acesso ao abono salarial, na aposentadoria dos militares e na fiscalização do Bolsa Família e BPC.
Por outro lado, também propôs ampliar o limite de isenção do Imposto de Renda para até R$ 5 mil (veja detalhes no vídeo abaixo).
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Metas de inflação
Para definir a taxa básica de juros e tentar conter a alta dos preços, no sistema de metas de inflação, o Banco Central olha para o futuro, e não para a inflação corrente, ou seja, dos últimos meses.
Isso ocorre porque as mudanças na taxa Selic demoram de seis a 18 meses para ter impacto pleno na economia.
A meta de inflação deste ano, definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), é de 3% e será considerada cumprida se oscilar entre 1,5% e 4,5%;
A partir de 2025, o governo mudou o regime de metas de inflação, e a meta passou a ser contínua em 3%, podendo oscilar entre 1,5% e 4,5% sem que seja descumprida.
Avaliações do BC desde 2023