
Pesquisa observou que treino de força preserva “saúde dos neurônios”, melhora desempenho da memória e, em alguns casos, promove remissão do quadro clínico. Musculação protege cérebro de idosos contra atrofia e doenças como Alzheimer
Um estudo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) indicou que a musculação protege o cérebro de idosos contra demências e doenças como Alzheimer. Os resultados foram publicados pela revista americana GeroScience, em janeiro deste ano.
📋A pesquisa acompanhou 44 idosos no interior de São Paulo diagnosticados com comprometimento cognitivo leve – um quadro clínico considerado “pré-Alzheimer”, segundo a doutora em neurociência pela Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp Isadora Ribeiro, responsável pelo estudo.
De acordo com a pesquisadora, no comprometimento cognitivo leve, o paciente é sintomático, mas não atinge uma pontuação ideal para receber o diagnóstico de Alzheimer quando é submetido a testes neuropsicológicos.
Os participantes foram divididos em dois grupos: metade realizou treino de força com progressão de carga duas vezes na semana, ao longo de seis meses. Os demais não realizaram qualquer exercício físico no período.
💪🏽Os participantes que faziam treino de força mostraram uma melhor performance da memória, além de apresentarem alterações na anatomia cerebral, e em alguns casos, a remissão do quadro clínico.
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A pesquisa foi conduzida no Instituto de Pesquisa sobre Neurociências e Neurotecnologia em Campinas (SP), um centro de pesquisa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) dentro do campus da Unicamp.
Musculação pode aumentar expectativa de vida, indica estudo
GETTY IMAGES/BBC
🧠 Mudança na anatomia e remissão
Ao fim dos seis meses de estudo, o grupo que praticou a musculação apresentou uma proteção parcial contra a redução do volume no hipocampo e do pré-cutâneo, regiões do cérebro que exercem papel importante na memória e na cognição. Já o o grupo que não fez o exercício desenvolveu a atrofia.
dois idosos que não praticaram musculação converteram o quadro inicial para a doença de Alzheimer
e cinco que praticaram a musculação, não pontuaram no teste neuropsicológico, indicando que estavam com a cognição preservada.
“Quem fez a musculação, a redução do volume do cérebro parou naquelas regiões [hipocampo e do pré-cutâneo]. E quem não fez, continuou”, afirma a pesquisadora.
Sinais iniciais do Alzheimer merecem atenção
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🧠 Em entrevista ao g1, a e responsável pelo estudo, explicou que, apesar de já ser comprovado que o aumento da força muscular está relacionado com o crescimento da cognição, ela queria entender qual seria a alteração no cérebro.
“Já sabíamos que alguns tipos de exercício melhoravam a cognição em idosos, como os exercícios aeróbicos, entre outros. Mas a gente queria ver, com o treinamento de força, o que acontecia. Porque o aumento da força muscular está relacionado com o aumento da cognição, e também com a diminuição da incidência da doença de Alzheimer”, explica a a pesquisadora.
“‘Eles têm uma perda cognitiva acentuada de memória ou de atenção, ou até de funções executivas, que estão relacionadas com o planejamento de atividades da vida diária”, diz Ribeiro.
🧬Saúde dos neurônios
🥇O trabalho foi o primeiro a demonstrar o que acontece com a integridade da substância branca —tecido do sistema nervoso que constitui as redes neurais relacionadas a funções cognitivas — dos idosos diagnosticados com comprometimento cognitivo leve após a prática de musculação.
Ribeiro explica que, além de perceber o que acontece com o volume do cérebro após uma intervenção com a musculação, também observou que o treino de força melhorou a “saúde dos neurônios”.
“A gente consegue medir na ressonância magnética, [na análise] que vai falar sobre a saúde do neurônio, se ele está preservado ou se, anatomicamente, ele não está preservado. Quando ele está preservado, a gente tem uma estrutura cerebral mais saudável. Quando ele não está, a gente não tem”, explica
“Percebemos que o grupo ‘treinamento’ [que fez a musculação] melhorou esses parâmetros [que indicam a saúde do neurônio]. E o grupo ‘controle’ piorou, porque eles não fizeram nada. Então, o exercício também melhorou a saúde do neurônio”, reitera a pesquisadora
Como o cérebro envelhece?
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💭 Memória episódica verbal
Os benefícios observados não se restringiram à anatomia. A pesquisa também indicou que, depois dos seis meses de prática de musculação, os idosos participantes na pesquisa apresentaram uma melhora significativa na memória episódica verbal — que, na linguagem popular, pode ser traduzida como a “memória recente”.
Para chegarem a essa constatação, todos os pacientes precisaram fazer um teste de memória conhecido no campo da neurociência como “RA-VLP”, que tem o seguinte passo a passo:
O médico passa uma lista para o paciente, e fala algumas palavras
O paciente precisa lembrar das palavras apresentadas
Após essa primeira fase, o especialista apresenta uma lista confundidora, com outras palavras
Ao final de algum tempo, o paciente precisa se recordar das palavras que estavam na primeira relação apresentada.
Ribeiro explica que o bom desempenho no exercício e na memória episódica verbal está diretamente relacionado a preservação do hipocampo, uma das áreas do cérebro que recebeu a proteção contra atrofia, conforme o estudo.
“Quando a gente pensa na doença de Alzheimer, o hipocampo é responsável pela formação de novas memórias —pela memória recente, principalmente. Então, quando a gente vê nesse paciente, que a memória recente dele ainda está boa, é um bom resultado”, explica.
Alzheimer memória
G1
🏋🏽♀️Efeito cumulativo: quanto mais cedo, melhor
A pesquisadora também afirma que o efeito de proteção no cérebro é cumulativo. Ou seja, quanto mais cedo a pessoa começa a se proteger, maior será a sua reserva cognitiva.
💪🏼”A massa muscular se comporta de uma forma muito parecida: quanto mais massa muscular você tem, melhor. É claro que ao longo do envelhecimento vai existir uma perda natural [tanto na massa muscular, quanto na reserva cognitiva], mas ela também vai influenciar nessa perda”, diz.
Ribeiro afirma que a musculação pode ser usada como uma “ferramenta não farmacológica”, que pode atrasar a progressão da demência — e quem sabe, até evita-lá.
“É uma terapia de fácil acesso, porque ela é acessível econômica. Muito mais barata do que você ficar comprando medicação, que vai melhorar só a cognição, mas não vai melhorar a independência funcional [a capacidade de realizar atividades cotidianas], por exemplo. Também não vai, possivelmente, parar a diminuição cerebral”, conclui.
Musculação no combate ao Alzheimer
Reprodução/TV Globo
*Estagiária sob supervisão de Bárbara Camilotti.
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