
Veja leis e regras que funcionam pelo mundo e iniciativas que são aplicadas no Brasil. Intimidações, ameaças e agressões verbais são os primeiros sinais de violência de gênero
Reprodução/RBS TV
O Mapa de Feminicídios, levantamento feito pela Polícia Civil do Rio Grande do Sul, aponta que, das 72 vítimas mortas em 2024, quase 90% não tinham medida protetiva na data do crime. Além disso, mais de 60% delas não tinham registrado ocorrência policial antes de serem mortas.
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A mulher que não quer se tornar parte deste número precisa ter coragem e denunciar o agressor. Segundo especialistas, o mais difícil é romper o que é chamado de ciclo da violência doméstica – um termo estudado e criado pela psicóloga norte-americana Lenore Walker na década de 1970, que identificou um padrão nas relações abusivas.
O ciclo tem três fases:
A primeira é a da tensão entre o casal, onde acontecem intimidações, ameaças e agressões verbais;
Depois, vem a violência, com agressões físicas, psicológicas e até sexuais;
Por último, a fase da lua-de-mel, momento de arrependimento, quando o agressor pede desculpas, e a vítima dá uma nova chance.
A delegada Cristiane Ramos, diretora da Divisão de Proteção e Atendimento à Mulher da Polícia Civil, destaca que esse ciclo de violência precisa ser rompido – caso contrário, ele volta a acontecer de forma cada vez mais violenta.
“Estudos demonstram que, antes de ser morta, uma mulher passa mais ou menos 10 anos dentro desse ciclo. É muito raro que o feminicídio seja o primeiro ato de agressão. Na verdade, o feminicídio é o final de uma história de agressão, de uma história de vida de muitas violências.”
Dados do Tribunal de Justiça do RS (TJRS) apontam que, em fevereiro deste ano, 650 medidas protetivas foram concedidas por dia, em média. O número representa um aumento de 5% em relação ao mesmo período do ano passado.
De acordo com a juíza-corregedora Taís Culau de Barros, coordenadora Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do TJRS, pedidos de medida protetiva normalmente são analisados em menos de 24 horas.
“Hoje temos também o monitoramento eletrônico, que já existe em todo o Estado, em fase de implantação. É uma possibilidade de o magistrado determinar que o homem use tornozeleira e que a mulher receba um dispositivo eletrônico para acionar a polícia e, caso o homem se aproxime, ela tenha como saber por onde ele está se aproximando e fugir”, explica.
Ministério Público lança campanha de conscientização e combate à violência contra a mulher
Experiências internacionais
Experiências pelo mundo tem se mostrado efetivas, tanto na prevenção, quanto na proteção e no acolhimento de mulheres vítimas de violência.
Na Itália, o governo aprovou em março uma proposta de lei que, pela primeira vez, permite punir o feminicídio com prisão perpétua;
Na Espanha, processos de violência doméstica são prioridade em tribunais especializados;
A França oferece apoio financeiro para ajudar vítimas a saírem do ciclo de violência, desde que a mulher tenha uma denúncia ou ordem de proteção;
A Austrália investe em tecnologia, com aplicativos de segurança e suporte online para as vítimas;
Já nos Estados Unidos e no Canadá, ações de prevenção desde a infância e programas de autonomia econômica das mulheres se mostram eficazes;
Serviço de Patrulha de Atendimento à Mulher começa a ser oferecido em Porto Alegre
As iniciativas dão certo e também inspiram novas medidas.
Em Porto Alegre, a Guarda Municipal criou em março a Patrulha para Atendimento à Mulher, com equipes treinadas para lidar com situações de assédio e de agressão;
Até o fim deste semestre, o pedido de medida protetiva poderá ser feito pela internet no RS, inspirado em um sistema que já funciona em São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo.
Casos
A psicóloga Nádia Bisch não se calou. Ao lado de outras cinco mulheres, todas vítimas do mesmo agressor, criou o “Juntas por Todas”, grupo onde mulheres vítimas de violência doméstica conversam, divididem suas histórias e tem apoio e atendimento especializado.
“Hoje, atendemos mais de 300 mulheres em todo o Brasil, algumas de fora do país, com o intuito de fortalecê-las, pra que elas possam entender que existe muita vida após um relacionamento abusivo.”
Foi exatamente o que fez Renata: depois de criar coragem, romper o silêncio e denunciar o agressor, hoje ela ressignifica a dor e se vê livre. Faz algo que era “proibido” pelo namorado: participa de rodas de samba fazendo o que mais gosta, tocar cavaquinho.
“Espero continuar leve. Esses dois anos de pavor que passei foram bem ruins. Continuar fazendo o que quero fazer, poder participar das rodas de samba sem achar que tem alguém ali pronto para me fazer mal. Só quero seguir e me reconhecer de novo. Viver a vida em paz”, diz.
No caso da designer de interiores Renata Cristina da Silva Prates, a agressão verbal ou física ocorria por qualquer motivo. Bastou ela dizer que não queria se casar para ser vítima de uma tentativa de feminicídio.
“Ele tentou me matar. Foi muito rápido, não sei muito como aconteceu. Quando vi, ele estava em cima de mim apertando meu pescoço. Quando acordei, ele estava me dando socos na cabeça. E depois disso ele me apontou uma faca e foi embora. Ficou um tempo afastado, mas quando voltou, acho que uns dois meses depois, vi que não ia conseguir sair daquilo”, desabafa.
E enquanto mantinha essa relação, ela perdeu o emprego, os amigos e a guarda do filho. Foi difícil, até que ela resolveu dar um basta.
“Resolvi denunciar, demorei uns dois meses, quase três meses para conseguir denunciar. Pensei: ‘já que vou morrer, já que eu não tenho escolha, vou denunciar'”.
Ela denunciou o ex-namorado e saiu da delegacia com uma medida protetiva de urgência em mãos que não permitia a aproximação do agressor. Não adiantou. O homem insistia em procurá-la. Ela registrou outras 15 ocorrências, até que conseguiu a prisão do agressor por descumprir a medida. Ele só saiu da cadeia com uma tornozeleira eletrônica, que monitora os movimentos e a localização do homem em tempo real.
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