
Juiz americano ordenou verbalmente que os aviões fossem desviados de Honduras e El Salvador, que concordaram em receber os imigrantes deportados, mas aparentemente isso não ocorreu. Trump deporta imigrantes baseado em lei de guerra
O governo Trump transferiu centenas de imigrantes para El Salvador, apesar de uma ordem de um juiz federal que temporariamente impedia as deportações com base em uma declaração de guerra do século XVIII que visava membros de gangues venezuelanas, informaram autoridades neste domingo (16). Os voos estavam no ar no momento da decisão.
O juiz distrital dos Estados Unidos James E. Boasberg emitiu uma ordem na noite de sábado (15) bloqueando as deportações, mas os advogados informaram que já havia dois aviões com migrantes no ar — um com destino a El Salvador e o outro a Honduras.
Boasberg ordenou verbalmente que os aviões fossem desviados, mas aparentemente isso não ocorreu e ele não incluiu a diretiva em sua ordem escrita.
“Ops… Tarde demais”, escreveu o presidente salvadorenho Nayib Bukele, presidente de El Salvador.
Acordo com El Salvador
O presidente de El Salvador, aliado de Trump, que concordou em abrigar cerca de 300 migrantes por um ano a um custo de US$ 6 milhões nas prisões do país, no site de mídia social X, acima de um artigo sobre a decisão de Boasberg.
Essa postagem foi recirculada pelo diretor de comunicações da Casa Branca, Steven Cheung.
Bukele convenceu os salvadorenhos de que é necessário um estado de exceção
Getty Images via BBC
O secretário de Estado Marco Rubio, que negociou um acordo anterior com Bukele para abrigar migrantes, postou no X:
“Enviamos mais de 250 membros de Tren de Aragua, que El Salvador concordou em manter em suas prisões muito boas a um preço justo, o que também economizará o dinheiro dos nossos contribuintes”, publicou Rubio.
A administração Trump também enviou dois membros de alto escalão da gangue MS-13 de El Salvador para El Salvador, que haviam sido presos nos Estados Unidos.
Vídeo liberado pelo governo de El Salvador no domingo mostrava homens saindo de aviões e indo para o pátio de um aeroporto, cercados por policiais com equipamentos de choque.
Os homens, com mãos e tornozelos algemados, tiveram dificuldade para caminhar enquanto os policiais os empurravam para que se curvassem a cabeça.
O vídeo também mostrou os homens sendo transportados para a prisão em um grande comboio de ônibus guardados por veículos da polícia e militares e pelo menos um helicóptero. Os homens foram mostrados ajoelhados no chão enquanto suas cabeças eram raspadas antes de trocarem para o uniforme totalmente branco da prisão — bermuda até o joelho, camiseta, meias e tamancos de borracha — e serem colocados em celas.
Os migrantes foram levados para a notória instalação CECOT, o centro da iniciativa de Bukele para pacificar seu país, antes marcado pela violência, através de medidas policiais rigorosas e limitações aos direitos básicos.
Lei de tempos de guerra
Os migrantes foram deportados após a declaração de Trump da Lei de Inimigos Estrangeiros de 1798, que foi usada apenas três vezes na história dos EUA.
A lei, invocada durante as Primeiras e Segundas Guerras Mundiais e a Guerra de 1812, exige que um presidente declare que os Estados Unidos estão em guerra, dando-lhe poderes extraordinários para deter ou remover estrangeiros que de outra forma teriam proteção sob as leis de imigração ou criminais.
Foi usada pela última vez para justificar a detenção de civis nipo-americanos durante a Segunda Guerra Mundial.
A União Americana das Liberdades Civis, ONG americana que atua em prol de direitos civis e que solicitou a suspensão das deportações, voltou a provocar a justiça para entender se o o governo norte-americano transgrediu a restrição temporária.
“Esta manhã, pedimos ao governo para garantir ao tribunal que sua ordem não foi violada e estamos aguardando uma resposta, além de tentar fazer nossa própria investigação”, disse o advogado principal da ACLU, Lee Gelernt, em um comunicado no domingo.
O governo da Venezuela, em um comunicado neste domingo (16), rejeitou o uso da declaração de Trump sobre a lei, caracterizando-a como evocativa de “os episódios mais sombrios da história humana, da escravidão ao horror dos campos de concentração nazistas”.
O Tren de Aragua se originou em uma prisão notoriamente sem lei no estado central de Aragua e acompanhou um êxodo de milhões de venezuelanos, a grande maioria dos quais buscava melhores condições de vida após o colapso da economia de seu país na última década.
Trump usou a gangue durante sua campanha para pintar imagens enganosas de comunidades que ele alegava estarem “dominadas” pelo que eram, na verdade, um punhado de criminosos.
A administração Trump não identificou os migrantes deportados, nem forneceu evidências de que eles são membros do Tren de Aragua ou que cometeram crimes nos EUA.
A Casa Branca disse que o presidente assinou a proclamação alegando que o Tren de Aragua estava invadindo os Estados Unidos na noite de sexta-feira, mas não a anunciou até a tarde de sábado.
Advogados temem uso irrestrito de medida contra venezuelanos
Advogados de imigração disseram que, na noite de sexta-feira, notaram venezuelanos que de outra forma não poderiam ser deportados sob a lei de imigração sendo transferidos para o Texas para voos de deportação. Eles começaram a entrar com ações judiciais para interromper as transferências.
“Basicamente, qualquer cidadão venezuelano nos EUA pode ser removido sob o pretexto de pertencer ao Tren de Aragua, sem chance de defesa”, alertou Adam Isacson, do Washington Office for Latin America, um grupo de direitos humanos, no X.
A ação judicial que levou à suspensão das deportações foi apresentada em nome de cinco venezuelanos detidos no Texas, que, segundo os advogados, estavam preocupados por serem falsamente acusados de serem membros da gangue. Uma vez que a lei é invocada, alertaram, Trump poderia simplesmente declarar qualquer pessoa como membro do Tren de Aragua e removê-la do país
Boasberg barrou as deportações desses venezuelanos na manhã de sábado, quando a ação foi apresentada, mas só a estendeu a todas as pessoas sob custódia federal que poderiam ser alvo da lei após sua audiência à tarde. Ele observou que a lei nunca foi usada fora de uma guerra declarada pelo Congresso e que os demandantes podem argumentar com sucesso que Trump ultrapassou sua utoridade legal ao invocá-la.
A proibição das deportações permanece por até 14 dias e os migrantes permanecerão sob custódia federal durante esse tempo. Boasberg agendou uma audiência para sexta-feira para ouvir argumentos adicionais sobre o caso.
Ele disse que teve que agir porque os migrantes, cujas deportações poderiam violar a constituição, mereciam a chance de que seus pedidos fossem ouvidos no tribunal.
“Uma vez que eles saem do país”, disse Boasberg, “pouco posso fazer”, falou o juíz.