
Foram 37 mil licenças médicas concedidas para trabalhadores do estado ao longo do ano passado. Segundo especialistas, casos foram agravados por enchentes. Brasil tem o maior número de afastamentos do trabalho por ansiedade e depressão em 10 anos
Brasil tem o maior número de afastamentos do trabalho por ansiedade e depressão em 10 anos
🧠 O Rio Grande do Sul registrou 37.004 afastamentos do trabalho por saúde mental em 2024, de acordo com dados do Ministério da Previdência Social obtidos com exclusividade pelo g1. O diagnóstico de depressão lidera a lista — são 10.274 concessões —, seguido de ansiedade, com 7.792. Juntos, os quadros somam 18 mil afastamentos e representam 48% do total. (Veja tabela abaixo)
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Em todo o país, foram quase meio milhão de afastamentos, o maior número em pelo menos dez anos. O levantamento aponta que os transtornos mentais chegaram a uma situação incapacitante como nunca visto. Na comparação com o ano anterior, houve um aumento de 68%.
Em números absolutos absolutos, a maior quantidade de licenças está em estados mais populosos, como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. No entanto, proporcionalmente, quando é considerado o número de afastamentos em relação à população, o RS registra um dos maiores índices.
➡️ Conforme o Ministério da Previdência Social, os dados representam afastamentos e não trabalhadores. O governo federal explica que uma pessoa pode tirar mais de uma licença médica no mesmo ano e esse número é contabilizado mais de uma vez.
Afastamentos em 2024
Relação com pandemia e enchente
Especialistas ouvidos pelo g1 são unânimes em apontar que a enchente que atingiu o estado no primeiro semestre de 2024 está diretamente associada ao recorde de afastamentos de trabalhadores. A maior tragédia climática do RS deixou 183 mortos, e 27 pessoas seguem desaparecidas.
“A gente passou por uma pandemia, agora a gente passou por uma catástrofe. Esses traumas acabam influenciando na construção da nossa saúde mental, na maneira como a gente percebe o mundo. O luto que esses traumas causaram na nossa vida também influenciam a forma de trabalho”, cita a psicóloga Monique Machado.
Em junho do ano passado, uma pesquisa em andamento na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e no Hospital de Clínicas de Porto Alegre apontou que nove em cada 10 moradores do estado relataram sintomas de ansiedade após as chuvas que castigaram o RS entre abril e maio. Na ocasião, foram analisadas 1 mil de 2,5 mil respostas a questionários aplicados.
“As enchentes de 2024 prejudicaram todo o estado, direta ou indiretamente. Não tenho dúvidas de que essa questão repercuta na vida de muita gente ainda (e provavelmente seguirá por muito mais tempo), afinal, apesar de as campanhas de auxílio terem cessado, muitas pessoas seguem sem casa, sem móveis”, pondera o especialista em psicologia em saúde Felipe Ayres Pozzobon.
Arte sobre transtornos mentais
Otávio Camargo/Arte g1
Acesso à informação e autocuidado
❤️🩹 A psicóloga especialista em saúde mental no trabalho Kellen Munhoz atuou como voluntária durante os resgates e em abrigos. Ela afirma que identificou um número significativo de pessoas com sintomas pré-existentes, que só buscaram ajuda através de programas de saúde mental implementados durante a crise.
“Inúmeras pessoas estão sofrendo, muitas vezes em silêncio, sem acesso ao diagnóstico e tratamento adequados. Quando, finalmente, essas pessoas conseguem acesso a profissionais de saúde qualificados, observamos um aumento nos números de diagnósticos. Isso não significa que os transtornos mentais estejam se proliferando repentinamente, mas sim que estamos finalmente revelando uma parcela da população que já estava adoecida e necessitava de cuidados”, avalia.
A opinião é corroborada por Monique. Conforme a profissional, o acesso à informação vem naturalizando questões sobre saúde mental, e “as pessoas estão validando seus sintomas”.
“Quanto mais você consegue entender o que é uma depressão, o que é uma ansiedade, você vai se empoderando do seu corpo e entendendo como é que é o funcionamento dele, vai procurando os teus direitos. Direito de conseguir afastamento do ambiente de trabalho, que às vezes é um dos principais causadores. Vai se tendo um autocuidado”, diz.
Vista aérea das ruas completamente alagadas no bairro Menino Deus, em Porto Alegre, durante enchente
MAX PEIXOTO/DIA ESPORTIVO/ESTADÃO CONTEÚDO
Atualização na responsabilidade
Para não depender apenas de iniciativas e também cobrar mais responsabilidade dos gestores, o Governo Federal anunciou a atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que apresenta as diretrizes de saúde no ambiente do trabalho.
Com as atualizações, o Ministério do Trabalho passa a fiscalizar os riscos psicossociais no processo de gestão de Segurança e Saúde no Trabalho (SST), o que pode, inclusive, acarretar em multa para as empresas caso sejam identificadas questões como:
metas excessivas;
jornadas extensas;
ausência de suporte;
assédio moral;
conflitos interpessoais;
falta de autonomia no trabalho;
condições precárias de trabalho.
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