
Espetáculo ‘Ensaio Geral’ busca dar visibilidade à cultura circense da Amazônia. A narrativa é uma homenagem à diretora paulista e amiga pessoal do artista Klindson, Selma Bustamante. Pingo, o palhaço
Marcos Paulo
Lona azul, estrelas amarelas, arquibancadas de ferro e madeira, o picadeiro e o globo da morte: essas são algumas das características do circo. Mas, para o professor de teatro da Universidade Federal de Rondônia (Unir), foram as apresentações dos palhaços que mais chamaram sua atenção na infância. A presença desse personagem aguçou seu amor pelo circo e o levou a buscar, nessa arte, a sua profissão.
“De todas as apresentações, a que mais me chamou atenção foi a dos palhaços. Quando eles entraram, parecia que o mundo estava em câmera lenta. Acho que ali surgiu meu instinto de querer brincar na palhaçaria. Claro! A vida te leva para outros caminhos”, lembra Klindson Cruz.
Para o artista, levar a arte circense amazônica para São Paulo tem grande importância, especialmente diante dos desafios enfrentados pelas produções do Norte. Ele ressalta que se apresentar na Avenida Paulista pode dar mais visibilidade ao trabalho da região, ampliando seu alcance para além do eixo Sudeste.
Klindson destaca que a visita será uma oportunidade de representar uma região distante dos grandes centros, muitas vezes esquecida. Para ele, ultrapassar os muros amazônicos é essencial para mostrar que a cultura está em circulação, apesar das dificuldades que a região enfrenta com transporte e acesso.
Klindson não estará sozinho na apresentação na Avenida Paulista. Ele será acompanhado por Jamile e Imaginário, que também levarão seus espetáculos ao público. Os artistas foram selecionados após a visita de um curador a Porto Velho, responsável pela escolha dos participantes. A curadora dos espetáculos de Rondônia, Andressa Batista, teve um papel fundamental na seleção dos artistas.
Homenagem geral
Ao g1, o artista, que já percorreu diversos caminhos ao longo de sua trajetória, revelou que a ideia do espetáculo “Ensaio Geral”, que será apresentado pela primeira vez na Avenida Paulista neste domingo (9), surgiu em um momento de perda e luto.
O ponto central da narrativa gira em torno da espera por uma diretora que nunca chega. O espetáculo foi criado em homenagem à diretora paulista e amiga pessoal de Klindson, Selma Bustamante, falecida em 2019, em São Paulo.
“Transformei a dor em arte. Selma dirigiria o espetáculo, mas, como faleceu, precisei buscar um novo diretor. A proposta do espetáculo é essa esperança pela diretora que não chega, refletindo minha própria experiência de esperar por Selma”, conta Klindson.
Atriz, Selma Bustamante, em comunidade indígena do Alto Rio Negro durante documentário “Purãga Pesika
César Nogueira
O artista incorporou ao seu espetáculo uma narrativa secundária de “O Barquinho”, de Ilo Krugli, diretor do grupo de teatro Ventoforte, do qual sua saudosa amiga Selma fez parte como atriz. Para Klindson, a apresentação também é uma homenagem aos grandes mestres que vieram antes.
“Minha geração costuma esquecer as pessoas, mestres e mestras que vieram antes […]. Quando um mestre ou uma mestra morre, uma biblioteca inteira também morre: diálogos, histórias… Morre também uma grande parte da cultura”, afirma.
Trajetória de um artista
Klindson sempre teve uma forte paixão pelo circo, mas seu caminho até a arte circense não foi direto. Antes de se graduar em Teatro pela Universidade do Estado do Amazonas, tornar-se mestre em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Acre (UFAC) e se especializar em palhaçaria pela Escola Livre de Palhaços (ESLIPA), ele enfrentou conflitos familiares. Seus pais não aceitavam sua decisão de cursar teatro, pois sonhavam que ele seguisse a carreira de engenheiro.
“Quando descobriram que eu estava cursando teatro, ficaram três meses sem falar comigo. Outro baque foi quando souberam que eu fazia malabares no semáforo para pagar xerox e refeições na universidade, mas foi por pouco tempo”, relembra.
Palhaços de feira em 2017
Gedeon Santos
Com o tempo, seus pais passaram a entender e respeitar sua escolha. No entanto, sua trajetória como artista não foi fácil. Klindson relembra os desafios que enfrentou, como viagens complicadas para festivais, cancelamentos de apresentações e ensaios exaustivos. Ainda assim, ele considera que todas essas experiências fazem parte da vida circense.
Oportunidade de criar
Apesar das dificuldades, a palhaçaria abriu grandes oportunidades para Klindson. Ele pôde viajar para outros estados, se apresentar sob lonas de circo, participar de festivais e se conectar com outros artistas circenses. Além disso, a arte do palhaço tornou-se um importante instrumento de pesquisa em sua trajetória.
“Circo e palhaçaria hoje são minha pesquisa. Foi meu projeto de iniciação científica, meu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso), meu mestrado e será meu doutorado”, revela.
Klindson Cruz intepretando
Reprodução/redes sociais
Para Klindson, o circo é uma oportunidade de criação. Em “Ensaio Geral”, ele incorpora elementos da cultura amazônica, como barcos, árvores, rios e peixes, além de representar a identidade cultural da região.
Nesse cenário, nasce o palhaço Pingo, personagem que conduz a narrativa. Criado espontaneamente durante um retiro de palhaçaria promovido por Selma Bustamante e Jean Paladino, Pingo surgiu sem referências prévias. Com o tempo, Klindson aprimorou o personagem até chegar à sua versão atual.
O artista conta que Pingo reflete muito de sua própria personalidade. Como pesquisador da palhaçaria, ele acredita que seu personagem tem o poder de quebrar paradigmas morais, como o machismo e a homofobia.
“Eu atravesso o Pingo a partir disso: da minha personalidade, com meu corpo mais exposto, short curto, blusa curta, brincadeiras principalmente com homens, para desconectá-los […] A personalidade do Pingo é essa: um lado mais sexual e cômico”, finaliza.
Pingo, o palhaço
Mayke Ronny
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