A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu, por unanimidade, um habeas corpus que anula todos os atos de um processo por injúria racial movido contra um homem negro, acusado de ofender um branco com referências à cor da pele. A decisão foi publicada no site oficial nesta terça-feira (4).
No julgamento, o colegiado diz não reconhecer o chamado “racismo reverso”, ao considerar que “a injúria racial não se configura em ofensas dirigidas a pessoas brancas exclusivamente por esta condição”, pois “o racismo é um fenômeno estrutural que historicamente afeta grupos minoritários, não se aplicando a grupos majoritários em posições de poder”.
De acordo com a denúncia do Ministério Público de Alagoas, o réu teria cometido injúria racial contra um italiano, por meio de aplicativo de mensagens, chamando-o de “escravista cabeça branca europeia”.
A troca de mensagens teria ocorrido após o acusado não receber por serviços prestados ao estrangeiro. Os ministros do STJ entenderam que, nesta situação, o delito a ser apurado é a injúria considerada simples.
Lei de racismo
O relator do pedido de habeas corpus, ministro Og Fernandes, citou ilegalidade no processo. Segundo ele, a tipificação do crime de injúria racial visa proteger grupos minoritários historicamente discriminados.
“A interpretação das normas deve considerar a realidade concreta e a proteção de grupos minoritários, conforme diretrizes do Protocolo de Julgamento com Perspectiva Racial do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)”, declarou.
O ministro destacou que a injúria racial só se configura quando há uma relação de opressão histórica, o que não se verificava no caso em discussão. Og Fernandes mencionou um artigo da lei de racismo que afirma que a interpretação de crimes raciais acontecem em “qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, e que usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência”.
População branca não se enquadra na lei
O relator explicou que o termo “grupos minoritários” não se refere apenas ao tamanho de um grupo, mas sim àqueles que, mesmo sendo numericamente maiores, não têm representações adequadas nos espaços de poder, tanto públicos quanto privados. Esses grupos, que muitas vezes enfrentam discriminação, inclusive do Estado, acabam tendo menos acesso aos direitos e oportunidades que garantem a cidadania plena.
“Não é possível acreditar que a população brasileira branca possa ser considerada como minoritária. Por conseguinte, não há como a situação narrada nos autos corresponder ao crime de injúria racial”, avaliou o ministro.
Og Fernandes afirma que é perfeitamente possível haver ofensas de negros contra brancos, mas que se enquadram em crimes contra a honra e não o de injúria racial.