Jovem com vitiligo relembra preconceito sofrido na infância: ‘Me chamaram de galinha pintadinha’


Neste Dia Mundial do Vitiligo, o g1 conversou com Maria Eduarda e outras três pessoas sobre os desafios enfrentados por terem a doença. Maria Eduarda teve os primeiros sintomas do vitiligo aos 8 meses
Arquivo pessoal
“Sempre tinha uma piadinha, um olhar diferente. Eu ficava triste”. Esse é o depoimento de Maria Eduarda da Silva, de 21 anos, sobre os preconceitos sofridos na época da escola por ter vitiligo.
A doença é caracterizada pela perda da coloração da pele, com diminuição ou falta de melanina (pigmento que dá cor à pele) em certas áreas do corpo. Não tem cura, mas tem tratamento.
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Nesta terça-feira (25), Dia Mundial do Vitiligo, o g1 conversou com várias pessoas diagnosticadas com a doença sobre os desafios e preconceitos enfrentados.
No caso de Maria Eduarda, moradora de Valença (RJ), os primeiros sintomas apareceram aos oito meses de idade, quando surgiram manchas nos olhos e na boca.
“Depois de oito meses, apareceram umas manchinhas nela do nada. Eu e minha mãe [avó] ficamos desesperadas. Começaram nos olhos e na boca e, depois, espalharam para outros membros do corpo”, contou Andréia Aparecida, mãe da Maria Eduarda.
Maria Eduarda na infância
Arquivo pessoal
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O preconceito começou ainda cedo. Uma vez voltando do colégio, Maria Eduarda escutou de crianças de sua idade comentários ofensivos.
“Me lembro de quando eu estava voltando sozinha da escola para casa e algumas crianças passaram por mim e me chamaram de ‘galinha pintadinha’. Cheguei em casa muito triste e contei para minha mãe. A partir desse dia, não voltei mais sozinha da escola”, lembrou Maria Eduarda.
A moradora de Valença fez alguns tratamentos indicados por dermatologistas, como o uso de pomadas, chás caseiros e banhos de sol.
De acordo com a mãe Andréia, a solução foi uma pomada, que não fez as manchas sumirem, porém, impediu que elas se espalhassem.
Apoio da família
Da esquerda para a direita: Andréia e Maria Eduarda
Arquivo pessoal
Desde cedo, a família de Maria Eduarda conversava para que ela se aceitasse e entendesse que o diagnóstico não a fazia pior do que os outros.
“Sempre mostrei pra Duda que, independente das manchinhas, ela é uma menina muito linda, que as manchas eram somente estética. As manchas não eram nada porque, graças a Deus, minha filha andava, brincava e tem saúde. Não vejo minha filha de outro jeito. Quero ela sempre assim”, disse a mãe da Maria.
“Eu sempre fui muito forte e não deixava nada me abalar, mas quando a gente é criança as coisas são diferentes […] Trabalhei a aceitação lidando com as críticas e aprendendo a conviver com ela. A verdade é que, de qualquer forma, as pessoas nos criticam”, concluiu Maria Eduarda.
‘Sou um cara feliz, as manchas não me incomodam’
Lacy Freitas descobriu ter vitiligo aos 25 anos
Arquivo pessoal
Diferente de Maria Eduarda, que teve os primeiros sinais logo na infância, Lacy de Freitas, de 60 anos, só apresentou sintomas e foi diagnosticado aos 25 anos.
O morador de Mendes (RJ) apresentou o primeiro sinal da doença logo após a morte do pai.
“Eu tinha 25 anos quando apareceu a primeira mancha, localizada na virilha. Acredito que foi um trauma relativo à morte de meu pai. Como na época era de pouco conhecimento em relação à doença, não tive muito o que fazer. Mas, com o passar do tempo, foi se alastrando nas partes das juntas, braços, rostos, pés e pescoço”, lembrou Lacy.
Logo assim que notou as primeiras manchas, Lacy procurou um hospital no Rio de Janeiro (RJ) para tratamento.
Porém, após um ano indo para a capital três vezes por semana, os médicos constataram que o tratamento, chamado de “puva”, estava prejudicando o fígado dele, já que tratava-se de uma máquina de radiação.
Lacy de Freitas, morador de Mendes
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“Os médicos acharam melhor interromper o tratamento. Depois, passei a passar uma pomada que, na época, tinha um custo bem alto e de muito pouco conteúdo. Também fazia um bom efeito, trazendo a pele pra sua coloração normal, mas que em pouco tempo o vitiligo ocupava aquela área novamente”, explicou Lacy.
No começo, o morador de Mendes teve dificuldades para lidar com tudo o que estava acontecendo e o aumento das manchas.
“No início, foi bem complicado tentar entender o porque das manchas e como tratar. Tive um apoio muito grande da minha esposa e do meu filho”, lembrou.
“Isso foi primordial, pois o que entendi é que essa doença é relacionada ao sistema nervoso, então, depois de entender tudo, passei a saber lidar com isso. Na época, me via como uma pessoa diferente, pois não via ninguém com o vitiligo. Depois de algum tempo, pude perceber que onde eu ia via um com vitiligo”, disse.
Mas, apesar a dificuldade no início, atualmente, Lacy vive bem. Ele pontuou ainda que o vitiligo não é um empecilho para nada, nem na vida pessoal e nem profissional dele.
“Sou um cara feliz. As manchas não me incomodam em nada”, contou Lacy.
Para as pessoas que também possuem vitiligo, Lacy reforça que o mais importante é viver feliz e aproveitar a vida.
“Eu daria um conselho para os que tem a doença e ainda não conseguem entender: vivam a vida como se não tivessem, somos iguais a todos, e que sejam felizes pois a vida é uma só”, aconselhou.
Descoberta após ida à praia
Débora Santos dos Reis descobriu a doença aos 28 anos
Arquivo pessoal
Lacy não foi o único a descobrir a doença na fase adulta. Débora Santos, de 59 anos, foi diagnosticada aos 28 anos logo após ir à praia.
“Um belo dia, estava na praia, quando apareceu uma mancha próximo ao meu olho esquerdo. Pensei que fosse uma micose”, lembrou.
A aceitação inicial do diagnóstico foi difícil para Débora. Na época, ela chegou a fazer tratamentos até com aplicações com corticoide e um medicamento que era importado, mas não viu nenhuma mudança.
“O início foi muito difícil. Eu me escondia. Já não gostava muito de sair e, se chegasse visita na minha casa, eu procurava não me expor”, recordou Débora.
A mãe foi uma peça fundamental no processo para compreender todas as mudanças e tudo o que estava acontecendo.
Mas, depois de alguns anos, a mãe acabou ficando doente e faleceu. Débora cuidou dela em tempo integral, o que fez as manchas aumentarem.
“Foi um período muito tenso. Período esse que eu me dediquei totalmente aos cuidados da minha mãe. Não foram meses, foram anos. Momentos esses que o que mais importava eram os cuidados dela. O vitiligo foi mansamente voltando. Quando me dei conta, estava com outras áreas do corpo manchada. Creio que a preocupação e o medo de perder a minha mãe desencadearam esse aumento do vitiligo. Passando uns anos, perdi meu pai. Teve mais aumento das manchas. Provavelmente, perda me deixa vulnerável”, explicou.
Os especialistas explicam que é muito comum o aumento das manchas pós-traumas, como a morte de um ente querido.
“O luto, por ser um fator estressante e traumático, pode desencadear o início da doença ou aumentar as manchas. Ainda que as causas não estão claramente estabelecidas, as alterações ou traumas emocionais podem estar entre os fatores que desencadeiam ou agravam a doença”, disse a psicóloga Mayre Rassi.
Há quem acredite que somente as crianças sofrem preconceito. Entretanto, mesmo tendo descoberto a doença na fase adulta, Débora também passou por situações de desconforto.
“Nos primeiros encontros, percebiam, perguntavam e me indagavam se não me incomodava na hora de vestir um biquíni ou uma roupa mais decotada. Eu respondia que não me incomodava e, com certeza, eles davam um chá de sumiço”, contou.
‘Larguei a escola por quatro anos, pois não suportava mais’
Diferente da Maria Eduarda, Lacy e Débora, Laís Cristina Flecha, de 26 anos, não tem vitiligo. A moradora de Volta Redonda (RJ) tem Nevo Melanocítico.
A doença é bastante confundida com o vitiligo, mas é o oposto, pois é caracterizada pelo excesso de coloração da pele.
“No nevo melanocítico, a lesão, geralmente, é uma pinta marrom e pode ser saliente. Existe um fenômeno de nevo halo, que pode o ocorrer ao redor dos nevos [manchas da pele], que pode ser parecido com as lesões de vitiligo”, explicou a dermatologista Cinthia Dinis.
Laís Flecha tem nevo melanocítico
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O diagnóstico do nevo melanocítico veio logo após Laís nascer com manchas no rosto. Aos poucos, a doença se espalhou pelo corpo.
Os olhares e comentários preconceituosos acompanham a jovem desde a infância.
“Passei por extremo preconceito em minha infância quase que inteira. As pessoas, pelo simples fato da minha pele ser diferente, tinham nojo de me encostar achando que era contagioso e os olhares eram muito críticos. Eu larguei a escola por 4 anos, pois não suportava mais comentários. Troquei diversas vezes e não resolvia. Tive muita depressão e ansiedade e me culpava muito”, contou Laís.
“Eu fiz terapia para aprender a lidar com o novo para ambas… e fui direcionada a ensinar a ela que era uma pinta gigante que não mudaria em nada da essência dela, apenas uma marca na pele, mas ela era linda do mesmo jeito”, explicou a mãe de Laís, Simone de Alvarenga.
Laís Flecha na infância
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O apoio, carinho e amor da mãe e da avó foram essenciais para Laís aprender a driblar os comentários maldosos ao logo da vida.
“Sempre foi ela por mim. Sem ela, com certeza, não chegaria aonde cheguei. Minha avó também teve uma grande parte nisso. Sempre elas me diziam para não ligar para a opinião alheia e isso, querendo ou não, sempre foi de suma importância”, comentou.
Carreira de modelo ajudou na aceitação
Laís passou a aceitar melhor o seu corpo após começar a trabalhar como modelo de passarela em 2016.
“Comecei a ver que isso não era nada demais. Foi aí que tomei consciência de que o que é bonito é, de fato, diferente, pois somos tão iguais”, pontuou.
Laís deixou as passarelas. Atualmente, ela está fazendo faculdade de direito e garante que aprendeu a gostar de si mesma com o passar dos anos.
“Comecei realmente gostar de mim quando cresci, que aí pude entender que cor da pele jamais define alguém ou o seu caráter, por exemplo”, afirmou.
“Aparência física, como disse, é apenas algo muito subjetivo. Isso não quer dizer quem realmente nós somos. Costumo dizer que esse plano terreno é apenas uma viagem para cumprimos nossa missão por vez e partimos. O que resta disso tudo é apenas o legado que deixamos no mundo e a memória de coisas boas que fizemos a todos”, finalizou Laís.
Sintomas e tratamentos
Dermatologista tira dúvidas sobre vitiligo
O g1 conversou com uma dermatologista e uma psicóloga sobre o vitiligo. Confira:
1. O que é o vitiligo?
O vitiligo é uma doença caracterizada pela perda da coloração da pele, com diminuição ou falta de melanina (pigmento que dá cor à pele) em certas áreas do corpo.
Segundo a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), dados oficiais indicam que o vitiligo alcança 1% da população mundial. No Brasil, mais de 1 milhão de pessoas convivem com a doença.
Vitiligo é caracterizada por problemas na produção da melanina
Jenyffer Previtalli
2. Quais são os gatilhos?
Segundo a SBD, a doença pode estar relacionada com fatores genéticos, ambientas e imunológicos.
“O histórico familiar é muito importante. Cerca de 30% dos pacientes também tem outros parentes na família com a doença. As pessoas nascem com uma tendência genética para ter o vitiligo”, apontou a dermatologista, Cinthia Dinis.
3. Quais os sintomas?
Quase sempre, o único sintoma do vitiligo são as manchas despigmentadas na pele. O diagnóstico é clínico, feito pelo dermatologista. As manchas podem estar isoladas ou espalhadas pelo corpo, principalmente, nos genitais, cotovelos, joelhos, face, extremidades dos membros inferiores e superiores (mãos e pés).
“O dermatologista especialista suspeita da doença pelas lesões que surgem, localização delas no corpo em locais mais característicos, tempo de surgimento e na consulta também pode utilizar uma lente, a luz de Wood ou até mesmo biópsia”, explicou Cinthia.
4. Tipos de vitiligo
De acordo com o local em que as manchas aparecem, o vitiligo pode ser classificado como:
Segmentar: manchas distribuídas unilateralmente, apenas em uma parte do corpo
Focal: manchas pequenas em uma área específica do corpo
Mucosal: manchas somente nas mucosas, como lábios e região genital
Acrofacial: manchas nos dedos e em volta da boca, dos olhos, do ânus e genitais
Comum: manchas no tórax, abdome, pernas, nádegas, braços, pescoço, axilas e demais áreas acrofaciais
Universal: manchas espalhadas por várias regiões do corpo
“Existe o vitiligo segmentar, que tem a característica de acometer paciente jovem e pega um segmento do corpo. A lesão, geralmente, segue um trajeto linear. E o vitiligo não segmentar que pode acometer, por exemplo, as duas mãos, pés, joelhos”, disse Cinthia.
5. Existe tratamento?
O vitiligo não tem cura, mas tem tratamento. O objetivo é cessar a evolução das lesões, estabilizando o quadro. Os tratamentos são longos e levam um certo tempo para apresentar resultados.
“Aplicar pomadas, fototerapia, laser específicos ou até mesmo técnicas cirurgias em lesões antigas e estabilizadas”, completou a dermatologista.
Entre os tratamentos, estão: uso de cremes de corticoides, tratamentos que estimulam a pigmentação (como a fototerapia), laser, além de técnicas cirúrgicas de transplante de melanócito. Tratamentos biológicos estão em fase de estudo, mas ainda não estão disponíveis.
6. Vitiligo não é contagioso
O vitiligo não é uma doença contagiosa e também não é considerado um problema que coloca a vida em risco. No entanto, pode afetar a saúde emocional. Por isso, o acompanhamento psicológico também é importante.
7. Descoberta precoce pode ajudar
A descoberta precoce do diagnóstico pode ajudar a retardar o aumento das manchas no corpo do paciente.
“Quando perceber o surgimento das primeiras lesões, é necessário iniciar a terapêutica de forma precoce para cessar o aumento das lesões ou até mesmo interromper a progressão do quadro”, aconselhou Cinthia.
8. Como o sol pode afetar?
As pessoas diagnosticadas com vitiligo devem ter cuidado redobrado ao se expor ao sol, como explica Cinthia.
“A exposição solar de forma gradativa, controlada pode ser muito útil no tratamento e para estimular a repigmentacao. No entanto, a exposição solar intensa pode levar à queimaduras ou até mesmo agravar a doença”, comentou a dermatologista.
9. Como o vitiligo pode afetar o emocional do paciente?
De acordo com a psicóloga Mayre Rossi, o vitiligo pode afetar diretamente no emocional do paciente de várias formas.
“Pode comprometer a qualidade de vida afetando a autoestima e promovendo estresse, sentimentos de desânimo quanto às perspectivas futuras, sensação de fracasso e decepção, menos sentimentos de prazer nas atividades cotidianas, diminuição da autoestima, maior irritabilidade e sensível perda de interesse pelo convívio com outras pessoas. Podemos considerar também que possam ter menor poder de impor suas ideias no seu ambiente social, menor capacidade na tomada de decisões e maiores dificuldades na resolução de seus problemas cotidianos”, finalizou.
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