Olena, esposo e a filha, uma bebê de oito meses, deixaram o país em janeiro deste ano. Eles ficaram até março na República Tcheca antes de virem para Paraty, na Costa Verde do RJ. Idioma, cultura e clima totalmente diferentes. Nada disso foi capaz de desanimar Olena Hordiienko, o esposo e a filha de apenas oito meses de fugirem da Ucrânia para recomeçarem a vida do zero no Brasil. Os três trocaram os constantes ataques russos pela calmaria de Paraty (RJ), cidade litorânea com menos de 45 mil habitantes.
Valentyna, Valentyn e Olena
Reprodução/Arquivo pessoal
O casal morava em Vassilkov, uma cidade próxima à capital Kiev. O prédio deles ficava muito perto de uma pista de pouso e decolagem de aeronaves militares. Desde o início da guerra, em fevereiro de 2022, o local era alvo de intensos bombardeios. Não havia porão, bunker e nem estacionamento subterrâneo no edifício. Em caso de ataques, a alternativa era se esconder nos corredores, longe de janelas.
Olena estava grávida de Valentyna quando a guerra começou. Ela e o esposo tentaram deixar a Ucrânia em abril de 2022, cruzando a fronteira com a Geórgia, mas não conseguiram por questões burocráticas.
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Bombardeio em Kiev no dia 24/02/2022
Reprodução/Arquivo pessoal
Como estava no sétimo mês da gestação, Olena e o marido deixaram o apartamento em que moravam para que Valentyna pudesse nascer um pouco longe do centro do caos. A escolha foi ir para Odessa, no sul do país, onde a situação estava mais calma.
Em maio, Valentyna veio ao mundo “com sons de sirene”, conforme relatou a ucraniana ao g1 durante uma entrevista realizada com a tradução da pesquisadora de migrações e professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Svetlana Ruseishvili.
Com apenas um mês de vida, Valentyna fez sua primeira viagem. Em junho, a família decidiu voltar para casa, na região de Kiev, pois os bombardeios por lá tinham diminuído. Como em uma guerra tudo é imprevisível, no fim do outono europeu a situação piorou, e Olena bateu o martelo que era a hora de fugir.
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Imóveis destruídos após bombardeio em Kiev no dia 24/02/2022
Reprodução/Arquivo pessoal
Em meio ao medo, era preciso ter coragem. No dia 9 de janeiro de 2023, a família deixou Kiev de carro com destino à República Tcheca, país para onde uma filha de Olena (fruto de outro casamento) havia fugido dois dias antes da Valentyna nascer.
Foram “três tranquilos dias de viagem”, relembrou Olena. A parte mais complicada foi na fronteira, onde tiveram que esperar algumas horas na fila para que fosse verificada toda a documentação.
Já na República Tcheca, Olena garantiu as passagens para o Brasil antecipadamente para conseguir comprá-las por um preço mais acessível. Com os bilhetes em mãos, era apenas esperar o dia do embarque.
Escolha pelo Brasil
Como são veganos e tinham um pequeno café de comidas naturais na Ucrânia, Olena e o marido queriam ir para um país onde fosse fácil encontrar frutas e vegetais frescos durante todo o ano para dar prosseguimento ao negócio da família. Era fundamental também que o lugar tivesse um clima tropical, praia e fosse turístico.
O casal chegou a cogitar outros países, como Tailândia e Indonésia, mas a oferta do visto humanitário e a rápida regularização da documentação pelo governo brasileiro fizeram com que o Brasil fosse escolhido.
A decisão de se mudar para o Brasil foi tomada ainda na Ucrânia. Olena começou a escrever mensagens para famílias russas e ucranianas que moravam no país para, então, decidir para qual cidade ir.
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Das muitas mensagens enviadas, apenas uma foi respondida: a de um casal russo que mora há seis anos em Paraty.
Olena confessou que nunca tinha ouvido falar de Paraty. Porém, ao ver fotos das belas praias e do Centro Histórico na internet e descobrir que se tratava de uma cidade Patrimônio Mundial da Unesco, ficou encantada.
“Tudo combinou perfeitamente bem”, contou Olena após a decisão pela cidade.
No dia 6 de março, a família desembarcou em São Paulo (SP) com duas malas: uma com um liquidificador e um desidratador (que seriam utilizados na cafeteria vegana) e uma outra com latas de leite da pequena Valentyna, que já estava prestes a completar 10 meses.
Já em Paraty, Olena, o esposo e a filha ficaram hospedados por duas semanas em uma pousada — tempo suficiente para que conseguissem achar um apartamento compacto para morar.
Empreendimento no Brasil
Olena no café em Paraty
Reprodução/Arquivo pessoal
Com pouco tempo morando em Paraty, os ucranianos conseguiram alugar um ponto comercial para reabrir a cafeteria vegana. O estabelecimento, no entanto, ficava longe do Centro Histórico.
Para atrair clientes, Olena teve a ideia de pendurar uma placa em uma rua mais movimentada para mostrar aos moradores e turistas a mais nova cafeteria da cidade. Três dias depois, a placa foi furtada.
Buscando inovar, Olena pediu para que uma amiga que conheceu no Brasil gravasse um áudio em português convidando as pessoas para conhecer o café, falando um pouco do que era vendido e que os produtos eram feitos por ucranianos refugiados da guerra.
Em uma caixa de som instalada em uma rua bastante movimentada da cidade, a propaganda era repetida inúmeras vezes ao longo do dia. Uma outra ideia de Olena foi escrever com giz nas calçadas das ruas próximas à cafeteria o passo a passo de como chegar ao estabelecimento. E deu certo!
“As pessoas ficaram surpresas e interessadas, porque nunca viram placas desenhadas com giz nas calçadas e a ‘placa sonora’. Isso gerou interesse”, explicou a ucraniana.
Forma para sinalizar cafeteria vegana em Paraty
Reprodução/Arquivo pessoal
Olena elogiou a receptividade dos brasileiros. Segundo ela, turistas e moradores sempre chegavam ao café bem abertos para conversar com ela, mesmo que fosse com um tradutor on-line.
“O idioma não necessariamente é uma barreira, porque se você tiver positividade, sorriso e produto de qualidade, você consegue superar essas barreiras linguísticas”, acredita Olena.
Com o passar dos meses, o café voltou a perder movimento. Por isso, Olena precisou passar o ponto e seguir com a produção em sua casa. Atualmente, ela trabalha com o serviço de delivery, mas confessa que a procura tem sido baixa.
Os pedidos, feitos pela internet, são em sua grande maioria de clientes que já tinham comprado no ponto físico. O plano é conseguir um local para reabrir o café em uma área mais movimentada da cidade, de preferência no Centro Histórico.
“Não queremos ajuda [financeira], queremos trabalhar e contribuir com a cidade com uma comida diferente que os brasileiros não conhecem e que podemos propiciar sendo ucranianos”, afirmou Olena.
Produtos veganos produzidos por Olena
Reprodução/Arquivo pessoal
Possível retorno à Ucrânia
Ainda nos primeiros meses em que estavam no Brasil, Olena e o esposo foram a Angra dos Reis, cidade vizinha, para regularizar os documentos.
Além do casal, a pequena Valentyna também possui uma autorização de residência no Brasil válida por dois anos, podendo ser prorrogada por mais nove.
Questionada se pretende voltar à Ucrânia, Olena disse que não enquanto durar a guerra.
“Muitas cidades destruídas. Muito perigoso. Quanto mais longe da Rússia, melhor”, relatou ela.
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