
Considerado crime pelo Código Penal desde 2009, a prática consiste na retirada de preservativo sem consentimento durante o ato sexual. Para o Tribunal de Justiça paulista, o crime é análogo ao de estupro e, por isso, caberia aborto legal nesses casos. Preservativo de distribuição gratuita
SVS/divulgação
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O Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que o Centro de Referência da Saúde da Mulher, do governo estadual, realize o aborto legal em casos de gestação decorrente da retirada de preservativo sem consentimento durante o ato sexual.
🔎 A prática, conhecida como “stealthing”, é considerada crime pelo artigo 215 do Código Penal desde 2009.
A liminar veio em resposta a uma ação popular movida pela Bancada Feminista do PSOL, por meio dos mandatos na Câmara Municipal e na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), e foi elogiada por especialistas em Direito das Mulheres (veja mais abaixo).
Na decisão provisória, a juíza Luiza Barros Verotti afirmou que há indícios de que o hospital, localizado na capital paulista, tem recusado a realização do procedimento de aborto nesse tipo de caso. As denúncias foram reveladas pelo jornal Folha de S. Paulo.
Stealthing: retirar o preservativo sem consentimento durante a relação é crime
Aborto legal
O aborto legal está previsto no artigo 128 da Constituição Federal, que considera o procedimento legalizado nos seguintes casos:
se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
Já o artigo 215, que configura “stealthing” como um tipo de violação à liberdade sexual, afirma que é crime “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima”. A pena é de reclusão de dois a seis anos.
Na decisão do TJ-SP, a juíza considerou que, como há previsão de aborto legal para as hipóteses de estupro, o procedimento pode ser aplicado em casos de “stealthing” por analogia.
“A analogia é entendida pela aplicação da norma legal a um caso semelhante não previsto em lei, podendo ser usada nesta hipótese”, afirmou a magistrada. “É dever do Estado prestar assistência integral à mulher em situação de gravidez decorrente de violência sexual”.
A liminar ainda ressalta que “o perigo da demora também está presente, uma vez que há risco de inúmeras gestações indesejadas decorrentes de violência sexual prosseguirem, com drásticas consequências à saúde física e mental da mulher”, abordando também os riscos oriundos de relações sexuais sem o uso do preservativo, como as infecções sexualmente transmissíveis (ISTs).
Direitos de Mulher
A decisão da juíza Luiza Barros Verotti foi elogiada pela promotora de Justiça Silvia Chakian. Segundo ela, se o termo utilizado no Código Penal fosse “violência sexual”, o debate sobre aborto legal nos casos de stealthing não seria necessário.
As pessoas que interpretam a lei, em linhas gerais, entendem que é preciso seguir apenas o que está redigido no Código Penal. Mas a prática [de stealthing] é igualmente constrangedora e violenta contra a mulher. Não necessariamente com violência física ou ameaça, mas mediante fraude porque ela viola o direito da mulher. A violação sexual mediante fraude tem a mesma essência do crime de estupro, constitui violência sexual, avilta a dignidade sexual, viola a liberdade. Não faz sentido não autorizar [o aborto legal]. Mas os hospitais têm se recusado. Por isso a decisão do TJ foi importante
Para a presidente da Comissão de Advogadas Mulheres da OAB-SP, Maíra Recchia, a análise sobre os casos envolvendo stealthing é semelhante à que a Justiça já realizou, no passado, quando incluiu casos de fetos com anencefalia dentre os previstos para aborto legal.
“É uma decisão paradigmática para garantir o mínimo às mulheres, ainda mais numa época de tantos retrocessos. A decisão garante não só os direitos reprodutivos e das mulheres, mas os direitos humanos de quem sofreu uma violência sexual mediante fraude ao não consentir que o preservativo fosse retirado durante a relação sexual”, explica a advogada.
A GloboNews entrou em contato com a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, responsável pela gestão do Centro de Referência da Saúde da Mulher, e aguarda retorno.