
Principal artéria da Lagoa da Conceição, em Florianópolis, o Canal da Barra pede socorro. Entupido de areia, ameaça o futuro da lagoa, pois é a conexão dela com a água do mar. Cheio de pontos de assoreamento, isto é, bancos de areia que reduzem a profundidade da água, o Canal da Barra dificulta a passagem de embarcações que exercem variadas atividades no local, como os pescadores e empreendedores do setor náutico.

Assoreamento do Canal da Barra gera preocupação – Foto: Germano Rorato/ND
Embora a prefeitura e o governo do Estado invistam em intervenções importantes no local, como a nova ponte da lagoa, o desassoreamento do Canal da Barra é outra urgência na região.
Trata-se de uma demanda de décadas, que será apresentada em série de reportagens a partir de hoje. Primeiramente, apresentamos o problema, posteriormente, cobraremos os órgãos públicos, além de mostrar o caminho das soluções e a relevância dessa medida.
Nerivaldo Neri Florindo, o Nera, 49 anos, navegou com a equipe de reportagem, comprovando o assoreamento do Canal da Barra e aproveitou para transportar peixe aos clientes nos restaurantes da Costa da Lagoa.
A primeira parte da missão, cumpriu. A segunda, não. “Tenho que voltar, não consigo passar”, diz Nera, antes de sair da embarcação e entrar na lagoa: “Estou com água na canela. Isso que meu barco é porte pequeno, imagina em junho, julho, na safra da tainha, quando outros não conseguem passar e algumas pessoas acabam desempregadas, porque não conseguem pescar”, lamenta.
A última terça-feira (18) foi mais uma tentativa frustrada, para Nera, de fazer o trajeto. “Ia deixar [os peixes] na Costa da Lagoa, mas não sei o que vou fazer com essas três caixas de linguado. Por isso, não posso depender só da pesca”, explica. Embora se divida entre mais de uma atividade, Nera fala por praticamente todos que dependem do Canal da Barra para ter o ganha pão.
“Nós, pescadores, imploramos aos órgãos competentes o desassoreamento aqui. Está sem condições de trabalho. É a pesca, o transporte de passageiros, os passeios, está horrível”, ressalta.
Hamilton Fernandes tem uma escola para formação de navegadores e explica que o Canal da Barra e a Lagoa da Conceição têm um amplo leque de serviços.

Hamilton Fernandes tem uma escola para formação de navegadores – Foto: Germano Rorato/ND
“Passeios turísticos, transporte náutico, pesca, práticas esportivas. Só garagens náuticas são dez. Temos também a maior frota pesqueira da ilha, a Colônia Z11, e eles têm dificuldade em função do assoreamento do canal. O destino turístico é prejudicado. A produção pesqueira é prejudicada, o pessoal da Costa da Lagoa é obrigado a deixar as embarcações praticamente abandonadas no canal, porque não consegue levar pescado para a Costa da Lagoa”, explica Hamilton.
“Essa obra é de vital importância para a nossa economia e para a segurança da navegação. Esses bancos de areia nas curvas do canal limitam a passagem da embarcação e oferecem risco”, completa.
Tráfego intenso e prejudicado no Canal da Barra
Conforme estimativas da Associação dos Moradores da Barra da Lagoa, entre 700 e 800 embarcações utilizam o Canal da Barra. Há aqueles que conhecem a região e a condição, mas também os desavisados.
“Muita gente desconhece os perigos, querendo entrar na lagoa ou visitar a via gastronômica, na Costa, só que não chega. O desassoreamento e a ligação do canal com a lagoa é de vital importância. Fomos contemplados com a ponte da barra, agora a ponte da lagoa, só que o desassoreamento não acontece, pedimos compromisso das autoridades”, clama Hamilton Fernandes.

Entre 700 e 800 embarcações utilizam o Canal da Barra – Foto: Jacson Botelho/NDTV
Há décadas, vários órgãos são procurados para uma solução, mas os pedidos sempre travaram. Enquanto isso, a lagoa morre e quem precisa dela, fica no prejuízo. “Quando não tem pesca, muitos migram para o turismo náutico, depois voltam, mas a válvula de escape para trabalhar na ausência da pesca é impedida pela dificuldade de deslocamento. [O Canal da Barra] É a única ligação de uma lagoa com o oceano e vemos a lagoa sofrendo com poluição. O desassoreamento é necessário para que a lagoa sobreviva. É a artéria para manter a lagoa viva”, diz Fernandes.
Ubirene Barcelos, o Bira, foi criado na Barra e trabalha há 25 anos com segurança aquática e há 15 diretamente com embarcações. Possui uma garagem náutica para guardar e dar manutenção em barcos. “Vivemos essa situação do Canal da Barra e na entrada ou saída para a lagoa há algumas décadas, mas os últimos dez anos têm sido os mais críticos. Foi se agravando e nunca tivemos retorno nas nossas reivindicações para, definitivamente, encontrar uma solução”, reclama.
Há mais de 20 anos, houve um desassoreamento parcial do canal, mas não foi suficiente. Na última década, as centenas de embarcações que dependem do Canal da Barra e da entrada e saída da lagoa em boas condições de navegação passam por mais dificuldades. “É uma região realmente crítica. A natureza nos deu esse canal maravilhoso e temos muita dificuldade para exercer nossas atividades”, diz.

Bira relata acidentes no Canal da Barra – Foto: Germano Rorato/ND
Acidentes com embarcações de pequeno e médio porte, além de jet ski, em função dos bancos de areia do canal, especialmente na maré baixa, são comuns. “Poderíamos comparar com uma rodovia para veículos. Se a rodovia estiver cheia de buracos, com vários obstáculos, certamente, os condutores terão dificuldade. O Canal da Barra é uma via navegável, então, é fundamental que esteja apta”, declara Bira.
“A lagoa precisa dessa ‘cirurgia’”, diz associação dos moradores
Gilson Bittencourt, presidente do Conselho Comunitário da Barra da Lagoa, dispara: “Lamentavelmente, para a coisa melhorar aqui na nossa região, tem que ser uma batalha. Essa limpeza, que não é uma dragagem, mas a remoção do material que a maré cheia deposita, é uma dificuldade”, afirma.
No entendimento dele, o primeiro ponto a ser atacado é o ambiental. “A lagoa precisa dessa cirurgia para que, ambientalmente, continue viva. A água do mar, que entra e sai, renova a lagoa. Precisamos com urgência disso, porque vai melhorar a qualidade de vida da lagoa e das pessoas”, salienta. Mas, conforme Bittencourt, o desassoreamento do canal também é necessário para a economia local: “É a nossa gastronomia, emprego e renda, turismo, um conjunto de áreas atingidas por essa irresponsabilidade de não manter a ‘garganta’ da lagoa liberta dessa quantidade de areia que está ali.”

Gilson Bitencourt considera a obra de extrema importância para a Lagoa da Conceição – Foto: Germano Rorato/ND
No auge dos 70 anos, 45 como líder comunitário, seu Gilson não imaginava que uma obra que considera tão importante para a Lagoa da Conceição, para a vida marinha da lagoa e as pessoas, não acontece. “Já procuramos, inclusive, a Capitania dos Portos, o prefeito se dispôs, mas não depende só dele, e até hoje não temos resposta. A resposta que queremos é que a obra aconteça. Tinha que ser amanhã!”