
Em comunicado via rede social, a Faculdade Santa Marcelina reconheceu a participação de alunos do curso no episódio e disse que os alunos responsáveis serão penalizados e podem até ser expulsos. Caso ocorreu no último sábado (15). Atlética de medicina da Faculdade Santa Marcelina posa ao lado de bandeira com frase que faz alusão ao estupro
Reprodução
Um grupo de ao menos 24 estudantes de medicina da Faculdade Santa Marcelina, com sede na Zona Leste de São Paulo, foi fotografado segurando uma bandeira com a frase “entra porra, escorre sangue” escrita à mão. A expressão tem conotação violenta e remete ao crime de estupro (foto acima).
O registro foi feito no último sábado (15), durante um evento esportivo voltado aos calouros do curso.
Nesta segunda-feira (17), o caso foi alvo de protesto por parte do Coletivo Francisca — grupo feminista formado por alunas e ex-alunas de medicina da Faculdade Santa Marcelina —, que encaminhou uma denúncia formal à direção do curso.
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A frase faz parte de um antigo “hino” da atlética da faculdade, que foi banido em 2017 e contém ainda mais referências de cunho sexual e machista. (Veja abaixo.)
“Além de extremamente violento, e com diversas alusões ao crime de [censurado], o hino até mesmo faz menção a relações sexuais com membras da igreja que compõe o corpo docente da faculdade (‘vem irmãzinha, pega no meu [censurado]’), denuncia o coletivo.
➡️ Atléticas são coletivos formados por universitários a fim de promover e participar de atividades esportivas e sociais, como campeonatos e festas.
No documento, as integrantes do coletivo apontam que o ato pode ser entendido como apologia ao estupro e cobra medidas firmes da universidade em relação aos envolvidos.
O g1 entrou em contato com a faculdade e com Pedro Vital, gestor do curso, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.
Horas após a manifestação do Coletivo Francisca, a Faculdade Santa Marcelina utilizou a ferramenta de story no Instagram para se posicionar. Em nota, a instituição reconheceu a participação de alunos do curso no episódio e informou que iniciou um procedimento de sindicância interna para apuração dos fatos. (Leia íntegra abaixo.)
A faculdade garantiu que os alunos responsáveis pelos atos serão penalizados. “Entre as punições, estão advertências verbais e escritas, suspensão e até expulsão da faculdade”, diz o documento.
O g1 procurou a Associação Atlética Acadêmica Pedro Vital, mas não obteve retorno. A reportagem também entrou em contato com a Secretaria da Segurança Pública (SSP) e aguarda retorno.
‘Cansada dessa cultura do estupro dentro da medicina’
Em entrevista ao g1, uma ex-aluna da faculdade, que preferiu não se identificar, disse que está “cansada dessa cultura do estupro que acontece dentro da medicina”.
“Esse hino foi revivido, cantado, e estava estampando uma bandeira que foi erguida pelos alunos após uma vitória no jogo de handebol masculino contra a Uninove. Gostaria de salientar que a atlética estava inspecionando todas as bandeiras que entravam”, afirmou.
“A cultura do estupro é algo muito presente nas faculdades de medicina”, salientou. “Hinos que degradam a mulher, ritos de passagem que incluem juramentos horríveis, trotes degradantes, em que calouras têm que ir limpar a casa e lavar a louça dos veteranos, são comuns em todas as faculdades de medicina”.
Segundo ela, a atuação do coletivo foi fundamental para que diversos desses comportamentos fossem banidos da faculdade.
“Mas o episódio de sábado nos faz questionar até quando isso vai acontecer. Pois algo banido há 8 anos voltou à tona agora, sendo que o curso de medicina dura 6”, lamentou.
Hino banido
Hinos e cânticos de atléticas são comumente usados em eventos esportivos com o intuito de provocar ou constranger equipes de universidades adversárias. Normalmente, as composições têm insultos de cunho sexual, homofóbico, machista e elitista.
Objeto da manifestação do coletivo, o “hino” da atlética de medicina da Santa Marcelina já havia sido questionado pelo grupo feminista em 2017.
À época, segundo a ex-aluna, após grande repercussão, “a coordenação teve que agir, deu advertência para os responsáveis, e o hino foi banido”.
Além do trecho que apareceu escrito no bandeirão durante o evento de handebol, a letra tem expressões como:
“Se no fundo eu não relo
As borda eu arregaço
Med Santa Marcelina
Arrancando seu cabaço”
“Se no cu minha piroca
Na buceta ou nas teta
Entra porra e sai sangue
Tu gritando igual capeta”
“Vai, medicina, bota pra fuder
Somos todos loucos e seu cu vamos comer”
Atlética de medicina da Faculdade Santa Marcelina posa ao lado de bandeira com frase que faz alusão ao estupro
Reprodução
Outro caso recente relacionado a um hino de atlética que faz menção ao estupro veio à tona em 2023, após estudantes do curso de medicina da Universidade Santo Amaro (Unisa) ficarem pelados e simularem masturbação durante um campeonato.
O hino da atlética de medicina fala em “enfiar o dedo” na vagina e “entrar mordendo”. Um dos versos da composição diz “na rima do pudendo”. Pudendo é o termo médico que designa a fissura formada pelos grandes lábios da vagina.
Neste caso, cinco alunos acabaram expulsos da faculdade.
Hino da atlética de medicina da Universidade Santo Amaro
O que diz a Faculdade Santa Marcelina
Em nota publicada no Instagram, a faculdade disse:
“A Faculdade Santa Marcelina se manifesta veementemente contrária ao ocorrido no último dia 15 de fevereiro, em uma competição esportiva que contou com a participação de estudantes do curso de Medicina, integrantes da Associação Atlética Acadêmica (AAAPV).
A instituição esclarece que, no ato de matrícula, o aluno aceita um compromisso formal com a faculdade, de respeito aos seus princípios éticos e morais, à dignidade acadêmica e à legislação vigente. Atitudes como essa constituem agravo à instituição e sua tradição, missão e valores e também à sociedade como um todo.
Nesse sentido, a Faculdade Santa Marcelina já iniciou um procedimento de sindicância interna para apuração dos fatos e os alunos da instituição responsáveis pelos atos (que ocorreram fora de suas dependências) serão penalizados conforme os princípios estabelecidos e a gravidade da infração. Entre as punições estão advertências verbais e escritas, suspensão e até desligamento (expulsão) da faculdade.”
Denúncia do Coletivo Francisca
Abaixo, leia na íntegra o conteúdo da denúncia apresentada pelo coletivo feminista da faculdade:
“O Coletivo Feminista Francisca vem perante esta instituição comunicar fato grave que demanda investigação e punição.
Em 15/03/2025, na Intercalo (evento esportivo de competição entre calouros de faculdades de medicina), calouros do time de Handebol da Santa Marcelina foram vistos, em conjunto com membros da atlética, empunhando bandeirão com os seguintes dizeres: “entra [censurado], escorre [censurado]”.
A frase em questão refere-se ao antigo “hino” da faculdade, proibido em 2017 após as denúncias deste mesmo coletivo à Diretoria.
Vejamos a letra do antigo hino:
“Se no fundo eu não relo, as bordas eu [censurado]
Med Santa Marcelina arrancando seu [censurado]
Minha bixete é exemplo, no [censurado] engole as bolas
Dá o [censurado] sem vaselina, ela é Santa Marcelina
Se no [censurado] minha [censurado], na [censurado] ou nas [censurado]
Entra [censurado] e sai [censurado], tu gritando igual [censurado]
Minha quebrada é Zona Leste, eu não deixo pra depois
Se mexer com a med santa vou comer seu [censurado] a dois
Um [censurado], um copo de água não se nega a ninguém
Já dizia Mr. Catra, vem, irmãzinha, vem
Vem irmãzinha, pega no meu [censurado]
Amor de [censurado] é ralo, antes chupa o meu [censurado]
Sou FASM Medicina e agora vou dizer,
Somos todos loucos e seu [censurado] vamos comer,
MED FASM”
Pecando pela obviedade, repisa-se que o referido hino faz diversas alusões ao estupro, em especial a parte eleita para constar na bandeira – “entra [censurado] e sai [censurado]” – isto é, o prazer de uma pessoa é relacionado à dor de outra.
O mesmo padrão é verificado na frase “arrancando seu [censurado]”, no qual o uso da força (e falta de consentimento) é conectado à perda da virgindade de alguém.
Praticamente todas as frases do referido hino fazem alusão ao crime de [censurado].
Além de extremamente violento, e com diversas alusões ao crime de [censurado], o hino até mesmo faz menção a relações sexuais com membras da igreja que compõe o corpo docente da faculdade (“vem irmãzinha, pega no meu [censurado]”).
Diante da situação exposta, rememora-se que a Lei Estadual nº 18.013/2024 proíbe o trote universitário, nos seguintes termos:
Artigo 1º – É vedada a realização de atividades de recepção de novos estudantes, ao longo do ano letivo, em instituições de educação técnica e superior que envolvam coação, agressão, humilhação, discriminação por racismo, capacitismo, misoginia ou qualquer outra forma de constrangimento que atente contra a integridade física, moral ou psicológica dos alunos.
Artigo 2º – Compete às instituições de ensino:
I – adotar medidas preventivas para coibir a prática das atividades a que se refere o artigo 1º, dentro e fora de suas dependências;
II – instaurar processo disciplinar contra os alunos e funcionários que descumprirem a vedação de que trata o artigo 1º, ainda que fora de suas dependências, e aplicar-lhes as penalidades administrativas, que podem incluir o desligamento da instituição, sem prejuízo das sanções penais e civis cabíveis.
Parágrafo único – A instituição de ensino que se omitir ou se mostrar negligente no cumprimento das competências previstas neste artigo será punida administrativamente pelo respectivo sistema de ensino, na forma do regulamento, sem prejuízo de eventuais sanções penais e civis aplicáveis aos seus dirigentes por cumplicidade.
Com base no diploma legal supracitado, demonstra-se, objetivamente, o objetivo desta denúncia: que a Faculdade Santa Marcelina investigue e puna os alunos responsáveis pela confecção do bandeirão e presentes na fotografia divulgada, sob pena de violação da legislação supracitada, bem como sob pena de, pedagogicamente, criar um ambiente permissivo com relação às violências contra as mulheres desta instituição.
Isto pois a fotografia comprova a presença de diversos calouros (vide cabelos raspados e coloridos, em especial na parte inferior da fotografia), em conjunto com veteranos, empunhando bandeira com os dizeres misóginos – e de hino sabidamente proibido desde 2017, em campeonato de calouros.
No mais, rememora-se que a ação supracitada encontra tipicidade no art. 287 do Código Penal (apologia de crime ou criminoso – dos crimes contra a paz pública):
“Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime”.
O crime ao qual se faz apologia, sabidamente, é o crime de [censurado], previsto no art. 213 do Código Penal:
“Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.
Sendo assim, resta claro que as ações praticadas pelo alunado merecem atenção, na medida que espelham condutas vedadas pela legislação pátria e estadual em nível criminal.
Roga-se pela investigação dos atos ocorridos, e por uma resposta institucional comprometida com a criação de um ambiente seguro para todas as alunas e alunos, pautadas pelo respeito coletivo e o decoro exigido pela profissão médica.
Além disso, embora saibamos que o órgão da Atlética trata-se de uma instituição independente, cujas eleições e escolhas de cargo sejam autoregradas, é necessário que a Instituição Santa Marcelina faça uma intervenção direta – caso o próprio órgão não se manifeste. Urge a deposição do aluno em questão do cargo vigente, uma vez que, inconsequentemente, assumiu um papel de representação estudantil esportiva. Mantê-lo neste cargo, é aceitar que esse tipo de atitude seja encorajada, sem medidas eficientes. Portanto, como uma das medidas tomadas, solicitamos que esta atitude seja urgentemente apurada e repassada para os demais discentes do órgão esportivo.
O Coletivo Francisca deposita sua confiança na resposta institucional da Faculdade Santa Marcelina e acredita que todo o ocorrido pode e deve ser resolvido nestas instâncias administrativas.
Coletivo Francisca, composto por 150 membras.”