
Dois meses após a lei que proíbe uso de celular nas escolas entrar em vigor no país, o governo federal lançou, nesta terça-feira (11), um guia com recomendações para o uso consciente de dispositivos eletrônicos por crianças e adolescentes.
De acordo com o documento, pesquisas mostram que os brasileiros estão entre os povos mais conectados e usuários mais frequentes da internet e de redes sociais. Porém, embora tragam benefícios evidentes, essas tecnologias também trouxeram à tona problemas que têm gerado cada vez mais preocupação.
É o que aponta a neuropediatra Marcela Gonçalves De Souza Machado, em entrevista ao Portal iG. Ela considera excelente a iniciativa de se criar um guia oficial que possa nortear o uso saudável das telas na infância e na adolescência.
“Em um mundo 100% conectado, é muito importante que pais e professores saibam que cada faixa etária deve ter um limite de horas estabelecido”, enfatiza.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatra, o limite de tempo para crianças estarem em contato com esses aparelhos é determinado pela faixa etária, sempre com supervisão:
Dessa forma, menores de 2 anos não devem ter nenhum contato com telas ou videogames
Dos 2 a 5 anos: até uma hora por dia, e dos 6 aos 10 anos: entre uma e duas horas por dia.
Dos 11 aos 18 anos: entre duas e três horas por dia é o recomendado.
Os especialistas também recomendam acompanhamento dos responsáveis e atividades físicas, interações pessoais presenciais e jogos adequados para a idade da criança.
Segundo a médica, os impactos do uso abusivo das telas são assustadores e são observados nos consultórios com muita frequência.

“Eu e meus colegas observamos o aumento de casos de atraso de fala, dificuldades de socialização, fobia social, ansiedade e depressão. E, infelizmente, esses impactos podem chegar a um ponto irreversível, como a autolesão e o suicídio”, frisa.
O atraso de fala, segundo Marcela, pode ser identificado a partir de 1 ano de vida, com a criança apresentando um repertório pobre e uma interação com o meio prejudicada.
“Para falarmos, precisamos antes de tudo observar o movimento da boca. Os desenhos não têm essa movimentação. Depois disso, temos que imitar, o que dificulta com as telas, pois os estímulos mudam muito rapidamente. E por último, para ter uma comunicação, precisamos de uma interação ativa de pergunta e resposta. No caso das telas, a criança fica em uma posição passiva. Por esse motivo, todos os passos para a comunicação são prejudicadas com as telas”, explica a especialista.
Ela reforça: antes dos 2 anos, não é recomendado o uso das telas em nenhuma ocasião. No caso dos adolescentes, a recomendação da neuropediatra é que apenas depois dos 12 anos eles tenham um smartphone próprio.
“Na adolescência, se observa o aumento muito considerável de ansiedade, depressão, distúrbios de sono e até problemas na autoestima e na socialização. O cérebro está em processo de desenvolvimento até meados de 25 anos”, aponta.

E, assim como é destacado no guia lançado pelo governo federal, a neuropediatra acredita que a utilização excessiva por parte dos adultos, que são considerados modelos e referências de comportamento, influencia no tempo de tela das crianças e adolescentes.
“Temos que lembrar que o exemplo é o tipo de aprendizado mais potente. Fique alerta com o tempo de uso nas telas, para que seu exemplo seja passado para as crianças ao seu redor”, conclui a neuropediatra.
O guia
O documento traz recomendações para as crianças e adolescentes, para as famílias e responsáveis dos jovens, para o setor empresarial, influenciadores digitais e para escolas e sistemas de ensino. Traz ainda sugestões para governos e para os sistemas de garantia dos direitos da criança e do adolescente e de defesa do consumidor.
Assim como a neuropediatra Marcela Machado, o guia recomenda que crianças com menos de dois anos não usem telas e aparelhos digitais e que crianças com menos de 12 anos não possuam aparelhos smartphones próprios.
A cartilha defende ainda que o uso de dispositivos eletrônicos, aplicativos e redes sociais durante a adolescência, a partir de 12 anos, tenha acompanhamento familiar ou de educadores e que o acesso às redes sociais observe a faixa etária sinalizada pela classificação indicativa e o estímulo ao uso de dispositivos digitais, para fins de acessibilidade ou superação de barreiras, por crianças ou adolescentes com deficiência, independentemente de faixa etária.

Para as escolas, as sugestões incluem avaliar criteriosamente o uso de aparelhos, como celulares ou tablets, para fins pedagógicos na primeira infância, evitando seu uso individual pelos estudantes. Além de evitar tarefas pedagógicas que estimulem a posse de aparelhos celulares próprios e o uso de aplicativos de mensagem por crianças menores de 12 anos.
Por sua vez, empresas que desenvolvem aplicativos que possam ser usados por crianças e adolescentes devem investir em estratégias de verificação da idade, oferecer produtos ou serviços com base em princípios de segurança por design, coletar o mínimo necessário de dados.